Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

Solidão existe?

Você se lembra o começo da quarentena? Parece que foi há um século. É que muitas das preocupações daquela época parecem ter se dissipado um pouco. Por exemplo, para muitos de nós, aquele momento era o primeiro contato com um período de solidão mais longo. E isso parecia ser extremamente ameaçador. Como assim, ficar sozinho durante um tempo, entre quatro paredes? Rapidamente, aprendemos a fugir do assunto. Assinamos isso, consumimos aquilo, ligamos webcams, começamos este e aquele projeto. Isso porque o medo da dor é mais forte que a própria dor, como diria o filósofo carioca, Carlos Lopes. Além de migramos (ainda mais) nosso espaço social para a internet, aprendemos a digitalizar o nosso velho conceito de "companhia cultural". Autores, podcasters, YouTubers etc. viraram nossos companheiros diários – assim como Laerte, Erich Fromm, James Hetfield ou Anna Karina o foram para alguns membros da geração pré-Internet. Mesmo que não exatamente concordemos com eles, mesmo que não nos interessemos plenamente pelas suas obsessões e reflexões, de certa forma, é reconfortante saber que essas companhias culturais digitais estão ali, pingando regularmente em…

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Tire esse chip da minha cabeça

Olá‚ Namo Amitaba Ia! Como estão vocês? Aqui na minha bolha‚ uma das maiores notícias da semana foi a apresentação do Neuralink‚ o chip que o Elon Musk quer implantar nos nossos cérebros. Há um vídeo resumido do evento aqui. Na imprensa especializada em tecnologia‚ uma das reclamações era a de que‚ afinal‚ o dono da Tesla apenas mostrou que robôs sabem fazer neurocirurgia. E que é possível ler ondas cerebrais. Essas não seriam‚ exatamente‚ novidades. Quase todos os articulistas temem quais seriam as consequências de implementar no corpo um aparelho controlado por bilionários e corporações capitalistas. Afinal‚ já sabemos como isso funciona (vide Monsanto‚ Unilever‚ big pharma‚ carros‚ celulares etc). De modo geral‚ não fazemos outra coisa nos últimos séculos: delegamos pra (corpo)rações o controle dos nossos órgãos‚ tempo e pensamentos. Mas o que eu queria dizer é o seguinte: muitos de nós temos uma visão simplista do que é adotar uma nova ferramenta. Ainda que critiquemos os ideais positivistas de "ordem e progresso" 🇧🇷‚ no fundo‚ somos extremamente dependentes deles. Nós esperamos e desejamos que ferramentas tragam "melhorias".

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Piloto automático

Olá, espero que você esteja bem por aí. Ando pensando sobre default mode, modo padrão. Aquilo que você faz automaticamente. Por exemplo, acordar e já pegar o celular. Ou sentar-se em frente ao computador pra trabalhar, abrir o cliente de e-mail e, enquanto ele carrega, abrir outra aba, no YouTube. Uma hora depois, você se pega escrolando, clicando e babando. E, às vezes, os vídeos nem são interessantes, você só está operando no default mode. No exemplo do YouTube, temos alguns ¨presets": Abrir o navegador com um plano relativamente vago do que fazer. ¨Vou trabalhar", ¨vou checar e-mails". Parece algo bastante claro, mas, no fundo, a lógica é a mesma de navegar a esmo no YouTube: "vamos ver o que aparece hoje". Não temos um plano específico. Não questionamos a motivação por trás da ação. Portanto, default mode. Quando abre o YouTube, em algum lugar do seu cérebro, você já sabe o que vai acontecer. Existe uma pequena brecha de, talvez, milissegundos, de autoconsciência. É uma faísca de possibilidade de escolha: fazer outra coisa, ser outra pessoa. Mas deixamos esse…

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Marc Maron: a arte de falar de um só assunto

Acabei de assistir à estreia da nova temporada de Maron, o seriado do comediante Marc Maron. Como era de se esperar, o criador do podcast WTF, mais uma vez, escolheu sustentar a imagem de que é um destruidor de relações. Na verdade, esse é o tema principal do próprio personagem Marc Maron. Pelo menos aquele que conhecemos publicamente. Haja coerência estética: parece que lhe dá um enorme trabalho sustentar / rejeitar essa narrativa. Ao final do episódio, eu me perguntava: será que todos somos assim tão monotemáticos? Será que todos orbitamos por uma obsessão principal, por meio da qual filtramos todo o resto do cotidiano? É claro que, no limite, nossa maior obsessão é tentar solidificar um ego. Mas, dito assim, é um mecanismo muito abstrato. Seria certo dizer que essa tentativa de solidificação geralmente depende de um assunto central, de uma narrativa “especial”, que se sobrepõe às outras? É fácil de enxergar um processo assim em alguém como Maron. Ele não dilui — ou não quer diluir — sua narrativa principal. Ela virou sua profissão. Maron vai martelar o…

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