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Parando de otimizar tudo

Por Eduardo Fernandes.

O que é essencial para mim? O que realmente acrescenta na minha vida? Quais são as coisas inúteis que acumulei ao longo dos anos? Onde é que eu perco tempo? Onde gasto dinheiro à toa?

Calma. Eu não fui abduzido pela Marie Kondo.

Ainda assim, me faço esse tipo de perguntas regularmente. É quase como limpar a casa. Se você demora muito para fazer, piora a situação.

De modo geral, ao praticar essas faxinas regulares na vida, a gente sempre percebe que precisa deixar um espaço para coisas aparentemente inúteis. Não dá para tentar ser produtivo e otimizado o tempo todo. Precisa existir um espaço para a ludicidade, para a brincadeira e para coisas sem sentido.

Nós temos essa fascinação e, ao mesmo tempo, medo daquilo que parece inútil. E, como nossa sociedade é obcecada com a ideia de produtividade e de racionalidade, então, talvez a gente tenha um desejo ainda maior por aquilo que é lúdico. Só que, também precisamos transformar a diversão em algo produtivo.

Vou te dar um exemplo. Estou em Garopaba, no litoral de Santa Catarina. O local é conhecido pelas praias frequentadas por surfistas. Eu nunca nem subi numa prancha. Mas, só de observar quem faz isso, noto que boa parte do que um surfista faz é esperar as condições propícias para praticar seu esporte. Não se trata de entrar na água, pegar uma onda, ticar o checklist e ir para casa. Esperar, nadar, interagir com o mar e com a comunidade, tudo faz parte da diversão.

Porém, aqui mesmo na região existe algo chamado Surfland. É um resort luxuoso que “resolve o problema” do surf. As ondas são artificiais, estão sempre disponíveis, você não tem que fazer trilhas para chegar até aquela praia incrível, não precisa esperar, etc., etc. Por um lado, esse é o surf conveniente, o surf racional. Por outro lado, perdeu todo o resto da experiência caótica, lúdica e sensorial do esporte.

De novo, você se pergunta: o que é essencial? O que você está eliminando? Mais: quando elimina o caos e a complexidade da experiência, que tipo de treinamento você faz consigo mesmo? Você está se treinando a focar? Ou está ficando cada vez mais intolerante a lidar com surpresas? Ou está limitando sua capacidade de extrair prazer de coisas simples, que não podem ser vendidas e que não podem ser padronizadas?

Agora vamos pensar na produtora de cinema A24. Ela ganhou fama investindo em filmes autorais e fora da curva, como o Moonlight, de 2016. Mas também lança comédias que misturam besteirol com versões pop de questões filosóficas, como o recente Tudo ao Mesmo Tempo em Todo Lugar.

De novo, é compreensível. Você precisa refletir, mas também precisa rir de coisas estúpidas.

Porém, a A24 também aprendeu a capitalizar essa necessidade do lúdico e de pertencer a um grupo, vendendo merchandising relacionado aos seus filmes.

Por exemplo, você pode comprar luvas de plástico que imitam os dedos de salsicha que aparecem em Tudo ao Mesmo Tempo. Sem falar que você pode pagar U$ 60 por uma cópia do pingente que alguns personagens do filme enfiam no fiofó para ganhar superpoderes.

Então você se pergunta: mais plástico no mundo, mais carbono emitido para entregar essas coisas, tudo para gerar quantos minutos de humor hipster?

Quanto tempo até a pessoa enjoar da sua mão de salsicha e do supositório do Bruce Lee? Vale o custo / benefício? Esse tipo de lançamento mancha a imagem da A24, que vira uma máquina de explorar hipsters?

Será que esse é o riso, a ludicidade de uma sociedade que desaprendeu a se divertir com o cotidiano, que precisa de um lúdico domado, embalado e explicado via design e storytelling? Será que, no fundo, esse lúdico só gera mais objetos que precisaremos descartar na próxima mudança, na próxima limpeza?

Sei lá. Reponda aí, Marie Kondo.


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