Por Eduardo Fernandes.
Transcrição do episódio #
O que você entende por preparação para um período eleitoral? Estudar a vida dos candidatos?
E o que isso significa? Buscar incoerências cômicas na Internet? Lembrar-se do que eles fizeram no passado, com quem se aliaram, em que assuntos se contradisseram?
Ou ainda: buscar frases que demonstram que os candidatos têm uma visão de elite, que não têm a mínima ideia de como é viver no Brasil, efetivamente?
Se você gosta desse tipo de conteúdo, vale parar e se questionar sinceramente: o que, afinal, você procura? Informação útil, mudança, ou apenas entretenimento político?
Porque a linha aqui é tênue: definitivamente, existe utilidade em desvelar incoerências. No mínimo, isso faz parte do processo político. Mas também pode levar apenas a conversas de boteco, seriados de TV. Portanto, pode ser uma distração altamente manipulativa.
Talvez você seja mais nerd, mais paciente, e goste de analisar planos de governo. Por exemplo, prefere ler sobre políticas ambientais dos candidatos. Ou, talvez, até investigue as variações nas convicções filosóficas e bases científicas deles ao longo dos anos.
Já é muito melhor do que ficar apenas no nível do entretenimento. Porém, planos de governo e ideologias podem ser verdadeiros buracos de coelho. Muitas vezes, baseiam-se em teorias questionáveis e contextos políticos que mudam constantemente.
Pior: todo plano precisa ser aplicado, portanto, negociado. Na história, nem mesmo o totalitarismo conseguiu se impor sem algum tipo de comprometimento. Os impérios mais duradouros da história foram permeados por distúrbios locais ou permitiam governos locais em troca de impostos.
Enfim, o que eu quero dizer aqui é o seguinte: eleições são mesmo períodos manipulatórios. Não tem como ser de outro jeito.
Isso porque, em tese, a política demanda interesse contínuo, diário, por questões muito técnicas. E, nos pleitos, de repente, é preciso fazer uma massa de pessoas potencialmente desinformadas e desinteressadas votarem nesse ou naquele candidato.
Assim, as eleições acabam sendo reduzidas a questões morais, sobre quem é honesto, quem é coerente, quem é “do bem” e “do mal”. Ou alguma versão diluída disso. Ainda assim, é o que temos. Não adianta reclamar, é um dos desafios da democracia.
O que podemos fazer durante essa eleição é, pelo menos, evitar ser parte do problema. Podemos nos recusar a participar do processo manipulativo do entretenimento político.
No meu caso, vou tentar gastar meu tempo com mídias com menor potencial de espalhar desinformação rapidamente — livros, por exemplo.
A polarização desta eleição também é uma oportunidade de investir numa formação política de longo prazo. A ideia é entender os problemas sócio-econômicos que possibilitam com que fenômenos como o de Bolsonaro ressurjam, cada vez piores. Investigar porque (e como) nossas elites conseguem se manter tão cegas e negacionistas quanto ao funcionamento do país.
Sabemos que precisamos evitar a reeleição do Bolsonaro. Fato. Mas também precisamos pensar mais longe e evitar que sejamos eternamente obrigados lidar contra Bolsonaros e bolsonarismos. Evitar que tenhamos sempre que votar no menos pior, que estejamos sempre à beira do desmonte do país.
Para isso, é preciso ir além do entretenimento. Ir além da reclamação neurótica dos sintomas. É preciso um interesse contínuo no desafio que é construir e manter uma comunidade.
Siga a newsletter Texto Sobre Tela e receba textos como esse em sua caixa postal.