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Pensando como máquinas

Por Eduardo Fernandes.

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Transcrição do episódio #

Toda mídia que consumimos é uma forma de treinamento mental. Por exemplo, nas últimas décadas, ao usarmos televisões diariamente, nos acostumamos a enxergar o mundo em termos televisivos: jornalistas confiáveis se vestem de um jeito específico, falam com uma cadência particular, notícias são veiculadas em certas periodicidades e demonstram certos ritmos.

Não é diferente com a Internet e as redes sociais. Ao longo dos anos, nos treinamos a ler cada vez mais rapidamente. Escaneamos textos, procuramos por palavras chaves e reagimos ao conteúdo rapidamente, recomendando ou rejeitando ideias, em frente a um público, os nossos “seguidores”.

A leitura foi perdendo seu aspecto privado, individual (leio para entender), e se transformou em algo cada vez mais social e encenado (leio para criar e sustentar um personagem).

É claro que esse fenômeno já acontecia em outras mídias. As redes sociais só aceleraram o processo: não basta gerenciar identidades, é preciso fazê-lo aceleradamente.

E a velocidade aumentou tanto que passamos a pedir ajuda aos próprios computadores. Assim, o conteúdo que consumimos e distribuímos vem “otimizado”, quer dizer, processado e formatado.

Resumindo, nossa cognição foi se misturando com o estilo algorítmico. Convivemos com ele, mas também passamos a pensar e criar como máquinas.

Por exemplo: algoritmos leem palavras-chave, títulos e trechos de texto o mais rápido possível. A seguir, reagem à informação, recomendando ou não aquele conteúdo para você. Todo algoritmo é utilitarista.

E é mais ou menos isso que nós, humanos, reforçamos diariamente: otimização e utilitarismo. Muitas vezes, assinamos newsletters e lemos apenas os títulos. Ou rapidamente identificamos os links e clicamos neles. Ou prontamente classificamos conteúdos como irrelevantes e indesejados.

Mais ou menos como os webcrawlers fazem. Sabe, aqueles robôs por trás dos sistemas de busca, como o Google? Esses.

Muita gente consome textos na Internet a partir do design. Por exemplo: rejeita ou se engaja num texto de acordo com o tamanho do parágrafo ou o visual das fontes. Procura facilitadores visuais como negritos, dropcaps etc.

Esses são outros tipos de “otimização do tempo de leitura”, quase como sinalizações de tráfego. Úteis, claro, mas usadas roboticamente, se tornam limitadoras.

Contextos #

Um dos principais desafios dos programadores que constroem algorítimos e Inteligência Artificial, é entender contextos. É que uma mesma palavra pode significar coisas completamente diferentes, dependendo da situação, do humor, da hora do dia, enfim, do contexto do consumo.

O Spotify, por exemplo, tenta resolver esse problema recomendando músicas de acordo com contextos emocionais (música para descansar, para agitar, etc.). Já a maior parte das empresas de tecnologia usam variantes de uma mesma estratégia: “oferecer mais do mesmo”.

Nem sempre funciona. É que contextos são os fatores mais subversivos da linguagem: mostram e forçam os limites de qualquer algoritmo.

O que vem acontecendo aqui é um treinamento mútuo: se os humanos corrigem incansavelmente as tecnologias de circulação do conhecimento, estas também alteram os humanos: nós também passamos a pensar como algoritmos.

Aos poucos, focando na velocidade, perdemos parte da sensibilidade para detectar e processar contextos. Lemos rapidamente, identificamos palavras-chaves, classificamos e reagimos como robôs, criando perfis pessoais e identidades cada vez mais rígidos.

Isso porque precisamos nos adaptar rapidamente às tendências ideológicas e palavras-chaves do momento. Assim, perdemos os contextos complexos das reflexões e da história por trás de cada autor.

Essa é uma das bases de toda a confusão ideológica e de toda a violência cognitiva das redes sociais: pensar como robôs, querer ser rápido como máquinas, querer imediatamente transformar qualquer conhecimento em capital social. Ou seja: valorizar e defender seu perfil, além de combater a “concorrência”.

Então, nosso treinamento para as eleições não poderia começar de outro lugar.

É que, antes de começar a levantar cargas altas, todo marombeiro precisa aprender os movimentos fundamentais dos exercícios. Precisa aquecer os músculos e criar as condições necessárias para evitar lesões e autoengano.

A mesma coisa aqui: ao consumir e distribuir conteúdo sobre política, é preciso entender a política por trás do consumo e distribuição do conteúdo. Ao debater entre humanos, é preciso entender como o debate está cada vez mais desumanizado.