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Perdendo a ingenuidade tecnológica

Por Eduardo Fernandes.

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Tudo (um pouco) diferente na newsletter. É que eu mudei de serviço de entrega. De novo. Do Mailchimp pro Buttondown. “Mas você não acabou de sair do Substack? Quando é que vai parar num lugar?” Resposta sincera? Provavelmente, nunca. Não depois de tudo o que aprendemos sobre tecnologia, recentemente.

Explico.

A partir dos anos 2010, nos habituamos a usar serviços “gratuitos”. Tudo fácil: é só criar um perfil e usar. De vez em quando, um ou outro aplicativo sumia ou saia da moda (por exemplo, Orkut, Google Reader, MySpace), mas, ok, não faltavam alternativas. Eu chamo essa fase de Primeira Metade do Boogie Nights, quando tudo era só alegria.

E, então, na transição pros 2020, veio a Segunda Metade, o excesso e a perda do controle. Aprendemos que – também na Internet – nada é de graça.

Assistimos aos hackers e empresas usarem nossos rastros nas redes sociais pra manipular eleições, espalhar desinformação. Até um presidente eleito usou o Twitter pra atacar a democracia. Na “melhor” das hipóteses, as Big Techs foram acusadas de impelir consumo impulsivo.

O livro Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais, de Jaron Lanier, se tornou um clássico. A Netflix exibiu um documentário sobre o fenômeno, O Dilema das Redes. Google, Facebook, Apple, entre outras empresas da área, tentaram se explicar ao governo norte-americano. E agora temos até pop-ups avisando sobre o uso de cookies.

Funcionários se revoltaram contra a direção do Google quando descobriram que seu trabalho ajudava o governo dos EUA a produzir armas. Deixaram de ser felizes geeks brincando em escritórios infantilizados. Entenderam o quanto certos ambientes de trabalho (e até tecnologias como Inteligência Artificial) podem refletir racismo, sexismo etc.

A Era da Ingenuidade Digital ruiu. Acordamos pro fato de que empresas privadas também podem ser extremamente traiçoeiras.

Mais importante ainda: descobrimos que a lógica e a cultura do “crescimento” leva a todo tipo de distorção ética e social. Depois de alguns séculos de culto cego, enxergamos o “resíduo” do crescimento: a destruição do planeta e o aumento da desigualdade. O próprio conceito é parcial, porque esconde os diversos declínios paralelos que ele produz.

Ok. Mas o que isso tem a ver com a mudança de serviço da newsletter?

É que essa nova época demanda uns ajustes no jeito de usar a tecnologia. Cria novas expectativas, desconfianças e exigências. A minha lógica aqui é a da Zona Autônoma Temporária. Continuo no serviço até que ele pareça suspeito ou fira meus valores. É um tipo de nomadismo digital, mas com uma ressalva: combater o impulso de experimentar novos produtos e liberar meus dados ingenuamente por aí.

Mas, é claro, ter uma boa API, me deixar desativar estatísticas por padrão, ter um preço decente e um bom suporte, também me ajudou a escolher o Buttondown. E olha que não ganho um centavo pra dizer essas coisas.

Enfim, vamos ver quanto tempo dura essa TAZ.