Por Eduardo Fernandes.
Olá, espero que você esteja bem por aí.
Ando pensando sobre default mode, modo padrão. Aquilo que você faz automaticamente. Por exemplo, acordar e já pegar o celular.
Ou sentar-se em frente ao computador pra trabalhar, abrir o cliente de e-mail e, enquanto ele carrega, abrir outra aba, no YouTube. Uma hora depois, você se pega escrolando, clicando e babando. E, às vezes, os vídeos nem são interessantes, você só está operando no default mode.
No exemplo do YouTube, temos alguns ¨presets":
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Abrir o navegador com um plano relativamente vago do que fazer. ¨Vou trabalhar", ¨vou checar e-mails". Parece algo bastante claro, mas, no fundo, a lógica é a mesma de navegar a esmo no YouTube: "vamos ver o que aparece hoje". Não temos um plano específico. Não questionamos a motivação por trás da ação. Portanto, default mode.
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Quando abre o YouTube, em algum lugar do seu cérebro, você já sabe o que vai acontecer. Existe uma pequena brecha de, talvez, milissegundos, de autoconsciência. É uma faísca de possibilidade de escolha: fazer outra coisa, ser outra pessoa. Mas deixamos esse momento passar. O hábito vem mais fortemente. E embarcamos em outros presets: procurar, sem saber o quê. Encontrar sem usufruir plenamente (porque estamos divididos pela culpa ou multitasking).
O preset que podemos estar alimentando, o padrão que estamos reforçando aqui é o descontentamento. Um hábito primal, nem sempre expresso claramente em palavras, nem sempre consciente, de pensar ¨se eu tiver aquilo, serei feliz".
É uma fratura no tempo (segura essa, Ricky & Morty).
Você se fragmenta em diversos "eus" paralelos: está presente (vagamente, sabe que é um ser humano, em frente do computador) mas projeta um futuro (quando eu assistir àquele vídeo e for entretido).
Saboreia o prazer um tanto masoquista da expectativa. Tortura-se com a culpa e a possibilidade da frustração ou do tédio (quando o YouTube lhe mostrar uma lista de coisas que você não quer, realmente, assistir). Calcula como dará conta dos seus compromissos depois daquela sessão de busca exterior por satisfação interna.
E, no meio disso, é claro:
"... bum pa pa ra pa para pá, iFood!"
Enfim, você está presente, mas dividido em diversos micro fragmentos de futuros. Haja universos paralelos.
E tudo por conta daquele segundo de consciência ignorado. Quando nos deixamos levar por hábitos gatilho, que levam ao default mode e outros diversos presets.
Deixe-me esclarecer que não estou tratando de produtividade pessoal. Essas questões envolvem muito, mas muito mais que trabalho. Esbarram em política, saúde mental, espiritualidade e relacionamentos interpessoais.
Não é incrível que exista um gap, um segundo de possibilidade de liberdade, antes dos presets tomarem conta? E que seja possível desenvolver o hábito de detectar brechas e de evitar o default mode?
Mind the gap.
Modelos mentais #
A newsletter já está longa demais, então vou adiar minha sessão de modelos mentais pra semana que vem. Vai ser uma tira. Sim, quadrinhos, coisa que não faço há anos.
Por falar nisso, estou de olho no trabalho do quadrinista francês, Christophe Chabouté. A editora Pipoca e Nanquim vem lançando os livros dele no Brasil. Estão caros pro meu estilo de vida, mas pelo menos o Solitário (que conta a história de um operador de farol de navios) vale bem a pena. Chabouté é um dos grandes contadores de história da atualidade, IMHO.
E se o Karate Kid fosse feito em 2020? #
O episódio desta semana do podcast Monólogo Estéreo chama-se E se Karate Kid fosse feito em 2020?. Daniel San é uma das mais clássicas vítimas de bullying dos anos 80 - só deve perder pra Luka, da Susane Vega. 😁
É interessante pensar sobre como as pessoas lidam com as frustrações da infância e adolescência, como elas embarcam em jornadas de transcendência.
Ou no contrário disso: a vingança - que pode ser uma viagem de fixação no passado, um exercício de manter um "trauma de estimação".
Nem sempre conseguimos sair disso. Às vezes, sequer percebemos quando nos deixamos dragar pela mentalidade de vingança.
É que ela pode ser muito sutil, sedutora e enganosa. Pode vir inserida como um cavalo de Tróia no meio de questões mais populares, como ideologia e identidade. E, assim, protegida por um campo de força de justificativas e racionalizações, ganha um enorme poder de contaminação.
Uma vez que somos infectados, sofremos as consequências de estar presos num loop temporal. A vingança é um congelamento (muitas vezes) voluntário. Pra usar outra referência dos anos 80, é como se o Han Solo se oferecesse pra virar uma estátua criogênica.
O episódio do meu podcast é uma comédiazinha besta, claro. Se você quer uma contemplação profunda sobre vingança, sugiro começar por outro Han, o filme do Kurosawa. Ou pelo Darmapada.
Minha hipótese é que a vingança está na moda. Vingança digital, como descrita no livro do Jon Ronson. Justiça rápida, e com as próprias mãos. Essas coisas. Mas quem sou eu pra saber? Paul Lazaro, do Matadouro 5?
Substack #
Estou experimentando enviar esta edição da newsletter via Substack. É um serviço interessante. Oferece uma boa página pros arquivos e pros novos assinantes. Se não funcionar bem, voltamos pro esquema anterior.
Abraço‚
Eduf
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