Por Eduardo Fernandes.
Transcrição #
A rede de jornalismo internacional, Vice, acabou de lançar no YouTube um documentário em 8 partes chamado Cryptoland.
Como você pode imaginar, é uma tentativa de entender as movimentações políticas, sociais e, claro, econômicas que estão acontecendo na área de criptomoedas e tecnologias blockchain.
Feliz ou infelizmente, já não dá mais para descartar esse fenômeno como uma bolha. Ou apenas um movimento restrito a geeks entusiastas, que tratam o blockchain como uma espécie de nova religião.
Em especial, durante a guerra na Ucrânia, as criptomoedas começaram a surgir como uma tentativa real de separar o dinheiro do Estado.
É um pouco como aconteceu quando se tentou separar a religião do Estado. É claro que esse objetivo nunca se concretizou totalmente. Mas houve uma mudança cultural massiva e uma reconfiguração em como se exercem os poderes.
E é isso que o documentário da Vice tenta mostrar: as mudanças que surgem com a tentativa de "desfinancializar" o Estado. As novas festas e rituais que surgiram para os entusiastas das criptomoedas, os novos-ricos, os novos discursos, os novos valores e, claro, a nova criminalidade.
O documentário não trata do futuro, mas nos leva a olhar para os lados, para o que está acontecendo agora mesmo, com a política que já é exercida via tecnologia, com a administração de um planeta que já é inseparável da Internet. É um retrato da progressiva digitalização do mundo.
O que nos leva a algumas perguntas que a guerra da Ucrânia deixou mais urgentes ainda:
- Quem são os novos atores políticos (por exemplo, os grupos de hackers)?
- Como funcionam os sistemas tecnológicos por trás das sanções?
- E quais serão as consequências de usar táticas de cancelamentos internacionais, como esses que a Rússia vem passando?
É um perfeito caso de buraco de coelho, um fractal político, um multiverso se revelando à nossa frente.
Uma das conclusões que me parecem cada vez mais evidentes, é que, se o Estado quiser se adaptar a esse fenômeno, vai precisar eleger especialistas. Não vai bastar ter gente folclórica no executivo e no legislativo emitindo opiniões que revelam total desconhecimento de tecnologia.
O perfil dos políticos talvez mude muito: deve aparecer gente mais jovem, mais geek e, talvez até por isso, mais desconectada de situações que ocorrem em áreas pobres e menos tecnológicas. É um novo desafio.
Talvez uma indicação de como a política pode ser entendida num futuro muito próximo venha de uma entrevista que Keith Rabois, um dos fundadores do PayPal, deu ao New York Times.
Questionado sobre porque os tech bros, os trabalhadores de tecnologia, estão se mudando em massa para Miami, o empresário diz o seguinte: "o governo local se considera um prestador de serviços, como uma empresa".
E é isso que os tech bros querem: um bom serviço, senão mudam seu dinheiro para outro lugar. Um pouco como mudar de plano de saúde, de telefonia, etc.
Propaganda de Ohio, em outdoors, na cidade de Austin, no Texas: concorrência forte para atrair o dinheiro dos tech bros.
Por exemplo, há apenas alguns anos, Austin, no Texas, era o local para onde os tech bros estavam fugindo. Quando chegaram lá, houve um aumento de preços de aluguéis, entre outros fenômenos políticos e culturais. Hoje, você anda pela cidade e encontra diversos outdoors convidando os mesmos tech bros a migrar para Ohio.
Neo-nomadismo? A lógica da concorrência aplicada à política? Não sei. Mas, definitivamente, a política está passando por uma revolução acelerada.
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