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Consumo de ideias bloqueia a criatividade

Por Eduardo Fernandes.

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Foto de Tim De Pauw, via Unsplash.

Semana passada, Lalai Persson, da newsletter Espiralcomentou o seguinte:

Talvez o nosso cansaço contínuo aconteça porque estamos o tempo todo consumindo conteúdo. Saio para dar aquela voltinha na rua? Coloco o fone de ouvido e ouço música, podcast ou até mesmo um audiobook. Vou tomar banho? Ouço um podcast enquanto isso.

O que me lembrou do escritor e ativista Cory Doctorow.

Há algum tempo, ele declarou que consome mídia o tempo todo. A ponto de usar fones de ouvido à prova d’água pra ouvir livros enquanto pratica natação. Fosse eu, acabaria me afogando na primeira virada olímpica.

Também recebi um e-mail de alguém que vendeu sua empresa pra investir no capital financeiro. Ele vive de renda e passa seus dias consumindo conteúdo. Ainda assim, estava depressivo. Porque não conseguia mais escrever.

Será que digeriu tanta informação que estava criativamente constipado? E como pode? Sempre me prometeram que, quanto mais informação eu consumisse, mais criatividade eu teria.

No caso de Doctorow, até que funciona. O homem é uma máquina de publicar. Mantém uma newsletter diária, colunas em revistas, viaja o mundo dando palestras e, às vezes, publica dois livros por ano. Mencionei que ele grava os próprios audiobooks?

Admiro. Mas não sei se queria estar na pele de Doctorow.

A maior parte dos criativos que conheço que usam esse método, reclamam de paralisia criativa e de muita fadiga mental. Não é só uma questão de prazos e empregadores ruins. Alguns sentem-se presos numa espécie de tentativa frustrada de engolir a biblioteca de Babel.

Por sorte, existem outros métodos de aquisição de ideias.

Observação metódica #

Ernst Hemingway recomendava que os escritores gastassem muito tempo observando coisas cotidianas sistematicamente. Por exemplo, olhar cada detalhe de como um pescador trabalha. Anotar num caderno.

Isso me parece bastante diferente do engajamento fragmentado que temos ao ler um feed de notícias.

Para os padrões atuais, obcecar sobre um pescador parece passivo e bucólico. Nadar ouvindo livros soa mais “normal” e realista.

Mas qual é a qualidade da atenção que você consegue oferecer nesse caso?

É provável que, além do multitasking (nadar e processar a leitura), a pessoa ainda acelere a velocidade do narrador em 2x.

Compare com o Método Hemingway (MH).

Externamente, o observador de pescadores parece que diminui a velocidade da sua cognição. Mas, de certa forma, ele se foca, escaneia o ambiente, seguindo os ritmos dos acontecimentos. É uma atividade muito intensa, ainda que pareça (e talvez seja) relaxante.

Já no consumo do livro em 2x, a atenção se fragmenta em micro-momentos de percepção: você pula da sensação da água na pele pra respiração, pro conteúdo do livro, devaneia, perde um pedaço do texto. E por aí vai.

Tudo isso parece mais ativo do que o MH. Mas, as sensações, em si, são mais passivas. Você não está propriamente se engajando nelas. Está gerenciando os saltos de atenção. E tentando se manter funcional ou evitar acidentes.

Desconfio que só isso já gaste mais energia mental.

Mas o problema é que o desejo de consumir conteúdo rapidamente deixa um rastro de ansiedade. Digamos, é uma ansiedade basal, que fica sempre ali, no fundo, gastando mais energia.

“Não dá pra acelerar esse narrador um pouco mais? Talvez cortar os silêncios”.

Aos poucos, a voz fica mais robótica, assume o ritmo das máquinas. Menos pausas, mais produtividade. Você está consumindo não só o conteúdo, mas o próprio estilo de vida digital.

Ou seja: a informação vem misturada com muito ruído. E isso deve atrapalhar a própria produtividade que se quer conquistar.

Acostumamos a pensar que produtividade depende do volume de coisas que pensamos e fazemos. É a velha mentalidade do colonizador: “esses índios vagabundos, que só querem descansar”.

Mas só agora, no século 21, é que começamos a entender o descanso como algo ativo, como um processo de organização e fixação de conhecimento.

O método David Lynch #

O cineasta David Lynch propõe outra via: encontrar ideias no meio da meditação. E toda pessoa que já tentou meditar sabe que Ideias Abundam. Caberia ao meditador pescá-las e cozinhá-las depois.

Meditadores budistas chamariam esse tipo de atividade de “sofrimento”. Porque eles não estão interessados em seguir ideias, necessariamente. Isso seria um esforço bastante desnecessário.

Mas, enfim, este é um texto pra criativos.

Pelo menos, a proposta de Lynch leva a outro entendimento da criatividade. Ela não surgiria pelo constante consumo de ideias, nem pelo constante ataque a si ou estrangulamento mental.

A criatividade nasceria naturalmente a partir de uma prática regular de observação da própria mecânica da mente. O único esforço seria manter a disciplina da prática. E de não “panicar” quando as ideias começarem a aparecer.

Qual método é o melhor? #

Obviamente, depende de duas coisas:

Mas, se eu tivesse que imaginar uma escala das atividades mais propícias pra bloqueio criativo, ela seria assim:

Então, as maiores questões são:

  1. Que tipo de pessoa criativa você é?

  2. O que você está buscando? Validação? Dinheiro?

    1. Daí, talvez o melhor a fazer seja aprender técnicas de marketing e criar de acordo com dados e estatísticas.
  3. Se você é do tipo que tem mais apego a brincar com ideias, talvez, consumir conteúdo ininterruptamente seja um belo tiro no pé. Porque é provável que a criatividade esteja mais nas pausas do que na cacofonia.

Seja lá qual for seu perfil, o descanso não deve lhe fazer mal. Talvez resolva mais problemas práticos do que se puxar até cair.

Mas quem sou eu pra saber?