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Quebrando o banco

Quebrando o banco

Por Eduardo Fernandes.

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Fila para sacar dinheiro do Silicon Valley Bank, após o anúncio do colapso do banco.

As placas tectônicas da indústria da tecnologia estão se movendo. Além das sucessivas demissões em massa dos últimos meses, um choque ainda maior acaba de acontecer. Em apenas dois dias, um dos bancos mais importantes da área, o Silicon Valley Bank, entrou em colapso.

De repente, alguns dos principais investidores norte-americanos não conseguem mais mover dinheiro para suas start-ups. Cartões de crédito (até de empresas como a Vox Media) simplesmente pararam de funcionar. E o pânico se espalha rapidamente entre os clientes de outros bancos. Muitos fogem para instituições mais monolíticas como o J.P. Morgan.

Sim, eu sei que esse é um assunto chato e que você não assinou a newsletter da Bloomberg.

Mas eu queria chamar atenção para uma coisa: como nosso sistema de “sobrevivência tecnológica” é frágil. É incrível que confiemos em algo tão instável.

Banco colapsa, muda o CEO e derruba o aplicativo, aparece o ChatGPT e muda as regras, vazam dados, neonazis são desmascarados, etc., etc. Ainda assim, continuamos entusiasmados com novos aplicativos, seguindo modas, criando perfis e cadastrando nossos dados bancários. É uma sede insaciável pela próxima moda, pela diversão tecnológica.

Após décadas de convivência com as instabilidades da “digitalidade”, o hype ainda não passou. Ainda não desenvolvemos aquele saudável desinteresse que permeia outras áreas. Por exemplo, apenas um nicho é capaz de se obcecar com carros, geladeiras, canetas ou ferramentas de jardinagem. Já os fãs de tecnologia parecem bem mais ativos e… descuidados.

Imagine uma empresa de automotivos que distribuísse carros gratuitamente. Você poderia viajar até 50 mil km por mês, recebendo algumas propagandas e enviando dados da sua localização. Ou escolas baratas, que mudassem de instalações, métodos e visões ideológicas anualmente. Ou um hospital que simplesmente resolvesse fechar, sem muitas explicações. Você usaria esses serviços?

Na relação com as empresas de produtos digitais, toleramos coisas que seriam inaceitáveis em outras áreas. O que mostra que a digitalidade ainda não atingiu o status de mera ferramenta, como tantas outras que fazem parte do nosso cotidiano. É um universo à parte, que apenas começa a mostrar suas entranhas e ciclos.

Eu me pergunto o que seria necessário para “desfetichizar” os produtos digitais. Desvinculá-lo da ideia de entretenimento e de estilo de vida? Uma ativa mudança de tom na cobertura jornalística (quem é que faria “5 recomendações de furadeiras mais legais”, por exemplo)?

Não sei.

Mas parece cada vez mais evidente que há duas forças transformadoras competindo agora no mundo digital: o colapso das infraestruturas (a “deshypização”) e a manutenção do entusiasmo (por exemplo: discurso sobre a revolução da Inteligência Artificial). Se os bancos quebrarem, quero ver quem vai pagar a conta do ChatGPT.