Por Eduardo Fernandes.
Outro dia, escrevi que talvez o tédio venha a nos “salvar”. Era uma provocação, pra ver se despertaria alguma curiosidade. Aparentemente, não rolou. Mas a ideia é a seguinte: passamos as últimas décadas (ou talvez séculos) associando conhecimento com velocidade e quantidade. Mais filmes, livros, experiências e – claro – maior consumo, supostamente, deixariam o sujeito mais esperto.
Tanto que há quem chegue ao ponto de ler livros, enquanto ouve podcast e dá uma espiada num vídeo. Tudo em velocidade 2X. Há até programas que, além de acelerar a voz, cortam os espaços entre as palavras. É uma espécie de blast beat cognitivo. Tanta pressa e medo de perder algo que até a respiração atrapalha.
Chamam essas coisas de “leitura dinâmica”. Mas não é o exato oposto? Dinâmica não implica variação de ritmo e intensidade? O consumo ansioso de informação está mais pra aquele bip que os monitores cardíacos emitem quando um alguém empacotou. Linear, contínuo, trazendo más-notícias.
O engraçado é que, até mesmo os budistas – que são constantemente encorajados a pensar que a morte pode acontecer a qualquer hora – evitam estudar de modo frívolo e apressado. Tentam confiar nos procedimentos, instruções e metodologias tradicionais.
Há uma técnica, em particular, que se chama “contemplação”. Nela, o estudante tenta dissecar um mesmo assunto por várias horas (ou meses, ou anos). E não se trata de costurar citações. De modo geral, você começa investigando a influência daquela ideia na sua vida. Depois, vai expandindo. Ou comprimindo. Ou dissecando. Depende.
Essa prática pode ser tão exaustiva pras mentes saltitantes da nossa época, que os professores indicam descansar periodicamente. Ou seja: parar de matutar por uns minutos.
É incrível que ainda existam outros métodos de fruição da cultura. Às vezes, parece que tudo se resume a assistir, postar, reagir e compartilhar. Mas há toda uma diversidade cognitiva resistindo à extinção.
E é aí que entra o tédio, esse fantasma ameaçador. Esse conceito vago. Tudo o que não é aceleração pode acabar associado a ele. Assim, o tédio acaba perseguido e armazenado numa unidade de isolamento ectoplásmico.
Porém, esse pode ser um espectro bem camarada. Porque, como acontece na música, a ausência de som também faz parte do ritmo. A lentidão dialoga com a velocidade.
Pense no sono. Segundo especialistas, é um estado mental até mais ativo do que a vigília. Mas (quase) não garante status de esperteza. Ainda assim, tudo tem seu tempo: o consumo, e também o processamento e a limpeza. Sem esses últimos, que ocorrem de um jeito não linear e intuitivo (como nos sonhos), não há exatamente aprendizado.
O tédio só é assustador por conta do vício da ansiedade. Mas, quando desaceleramos e nos permitimos experimentar a ausência de ocupação compulsiva, abre-se um buraco de coelho. Percebemos que não há como nos entediarmos stricto sensu. O que chamamos de tédio é outra coisa: é síndrome de abstinência da compulsão.
MonoEstéreo #
Cada época tem a distorção que merece #
Hoje em dia, quase todas as músicas das listas de mais tocadas têm algum tipo de distorção robótica nos vocais (vocoder). O que será que isso diz sobre a nossa época?
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