Por Eduardo Fernandes.
Todo mundo tem um vício. O meu é assistir a biografias. De documentários no YouTube até mesmo filmes como O Jovem Karl Marx, de 2017.
Como alguém formado em ciências sociais, costumava admirar o jovem Marx. Não exatamente pelas suas ideias (eu me conectava melhor com alguns tipos de anarquismo), mas pela sua forma incisiva e até humorística de escrever.
Assim, quando o filme surgiu no meu radar, não pude resistir. Afinal, ele trata exatamente desse momento de embate de Marx contra Proudhon, Bakunin, entre outros. O nascimento do Comunismo. Fora mostrar como começou uma das "parcerias criativas" mais famosas do mundo (Marx & Engels).
Então, lá fui eu gastar meu nascimento humano precioso com o filme do cineasta e ativista haitiano Raoul Peck. "E aí", você pergunta. "É bom ou não?" Como entretenimento, é satisfatório, uma boa novela de época.
Marx fazendo sexo com a esposa, ou cambaleando bêbado com Engels por ruas estreitas de Paris – estão aí coisas que nunca imaginei ver nesta vida. Mas as atuações tornam a coisa toda muito convincente.
Em especial, a luta de Marx por manter sua carreira de "influencer" e "criador de conteúdo", pra usar expressões compreensíveis pras gerações de hoje. Foi um tanto inesperado assistir a Marx suplicar por emprego numa agência do correio e ser rejeitado por ter letra ilegível. Ou conhecer a dinâmica da sua relação com os filhos.
Mais espantoso ainda foi o romantismo de Engels, que se apaixonou por uma proletária e até aceitou levar uma surra pra provar a seriedade das suas intenções. E também como ele não era apenas um filho de capitalista, rico, se divertindo com ativismo.
Como são as coisas. Durante anos, ignorei a humanidade de Marx e Engels. Nunca me dei ao trabalho de ler biografias deles. Veja bem, eu estava ocupado com Gramsci, Przeworski, Escola de Frankfurt, e vários outros sabores e spin-offs do seu pensamento.
Fora que, na época, eu achava que saber muito sobre a vida dos autores era uma espécie de distração. Eu só queria "discutir o texto" sugerido na ementa do curso.
Só pra você ter uma ideia de como os tempos eram diferentes nos anos 90, uma vez um amigo deixou uma professora completamente atônita, ao parar a aula pra reclamar que ela estava "levando Rousseau pra Ilha de Caras", já que ela gastou metade do tempo disponível relatando pontos da biografia do filósofo francês, em vez de debater suas ideias. Hoje tendemos até a deixar completamente de ler autores quando sabemos de fatos biográficos controversos.
Enfim. O Jovem Marx.
O filme é bastante panfletário, messiânico e parcial. Leitores mais sérios de Proudhon, por exemplo, vão detestar vê-lo retratado como uma espécie de líder de culto religioso. Ainda assim, é um retrato interessante do que significava ser um ativista na Europa do final do século 19. Como disse antes, é um entretenimento satisfatório. Mas o que não é entretenimento hoje em dia? Até Karl Marx.
Siga a newsletter Texto Sobre Tela e receba textos como esse em sua caixa postal.