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Salvem os psicodélicos

Por Eduardo Fernandes.

Bom dia.

Ontem, esbarrei nesse texto de Tim Ferris. Ferris é um dos mais famosos gurus de produtividade dos últimos 15 anos. Em livros e podcasts, entrevista especialistas e grandes performers de várias as áreas, do mágico David Blane até agentes do FBI, passando por esportistas e cientistas. Tenta descobrir os motivos pelos quias cada um deles é excepcional no que faz. Nas horas vagas, Ferris investe milhões de dólares em pesquisas sobre o uso medicinal de compostos psicodélicos.

E é aí que eu quero chegar. O texto é uma das coisas mais involuntariamente estranhas que eu li recentemente. É que, nele, Ferris pede que os atuais interessados na nova moda de psicodélicos segurem o entusiasmo e parem de destruir as fontes naturais desse tipo de substâncias.

O texto, em si, é bem-intencionado. Absurda é a situação. Ferris avisa sobre os riscos de usar psicodélicos – inclusive o de acabar na cadeia. Depois, assume o seguinte tom: eu sei que vocês vão abusar mesmo, então, segue uma lista de alternativas sintéticas, pra que vocês não destruam a Amazônia, animais e plantas ou atrapalhem povos que usam essas substâncias há milhares de anos.

Não é incrível? Mal acabamos de sair do modo proibição / condenação dos psicodélicos e já caímos no extremo oposto, o uso descoordenado de recursos naturais.

Tenho percebido cada vez mais discursos como esse, em outras áreas: uso descoordenado de mídia, do corpo, da política institucional. É uma espécie de glutonismo generalizado. Há uma sensação de falta de medida e de ritmo. Uma espécie de aceleração estabanada.

Certos cientistas sociais costumavam desconfiar da linha de produção, que era uma sequência (em tese) supercoordenada e disciplinada de atividades metódicas, num ritmo mecânico. Já os apologistas pensavam que esse era um mal necessário pra atingir um objetivo nobre: a produtividade.

Aos poucos, aprendemos a cultuar a eficiência, a otimização, atingir objetivos de um modo cada vez mais “fácil” e “inteligente”. E, assim, a ênfase migrou do processo (a linha de montagem) pra expectativa do resultado (digamos, o packaging, a apresentação final).

O processo, ora, dane-se o processo. Temos que crescer, atingir metas, ler rapidamente, ouvir na velocidade 2x, pular “aborrecimentos”.

Até onde me lembro, Marx e Engels achavam que a divisão do trabalho levaria os trabalhadores a se alienar da totalidade do produto, eles saberiam apenas da sua pequena parte na linha de montagem. Mas nós encontramos uma alienação ainda maior: nem mesmo saber do processo. Em outras palavras, pressupor que o processo seja sempre um obstáculo, ou que esteja sempre defasado. Temos que aperfeiçoá-lo continuamente. Obsolescência pressuposta.

Assim, “automatizamos” e “otimizamos” tudo até nos tornarmos uma espécie de cavalo com antolhos: só sabemos que precisamos correr, com medo de algum tipo de punição. Sem “olhar pros lados”, nos desconectamos de como nossa comida é feita, dos ritmos do planeta, dos ciclos físicos, das rotinas históricas culturais, perdemos a noção das consequências dos nossos atos.

Processo é, por definição, aquilo que precisa ser melhorado. E não experimentado completamente. É como ir a um restaurante e, em vez de degustar com calma, correr pra procurar defeitos na comida e “ajustá-la”. Essa insatisfação existencial é, provavelmente, a essência filosófica das atuais empresas de tecnologia: tudo é um problema a ser resolvido. O grande Eu, aquele que conserta o universo continuamente.

Esse fenômeno é o que torna necessários textos como o de Tim Ferris: esperem aí, vão com calma, não destruam as fontes naturais de psicodélicos antes que consigamos usá-los adequadamente e respeitando quem precisa deles mais urgentemente. Segure essa ansiedade / produtividade.

E muita gente acha que brasileiro é doido porque quer furar a fila da vacina.


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É isso por hoje. Obrigado por ler.

Links no sábado.

Abraço,

Eduf


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