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Saúde mental hardcore

Por Eduardo Fernandes.

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Jello Biafra, da clássica banda punk Dead Kennedys.

Mais um buraco de coelho na Internet. Chama-se Hardcore Humanism Podcast. É um programa no qual um psiquiatra (que assina apenas como Dr. Mike) entrevista músicos como Jerry Cantrell, do Alice In Chains, George Clinton, Steve Albini, Jewel e até Dee Snider, do Twisted Sister.

Imagine ouvir Jello Biafra, do Dead Kennedys, se virando para falar sobre seu pai, Stanley Boucher, sem demonstrar vulnerabilidade. Pois é.

Boucher era um intelectual e ativista do interior do Colorado, nos anos 60. Do tipo que assiste a documentários sobre guerra com os filhos, explicando todos os contextos políticos.

Na entrevista, naturalmente, Dr. Mike insinua que Biafra herdou o engajamento do pai. E o vocalista responde algo como: “quando o Dead Kennedys começou a decolar, meu pai olhou uma notícia sobre a banda no jornal e disse que, aparentemente, eu estava mesmo realizando alguma coisa. Mas nunca tinha lido Shakespeare”.

Gatilho puxado. A partir de então, Biafra não consegue mais disfarçar as evidências de uma vida inteira de tentativas de agradar ao super pai inalcançável.

E você, do outro lado do mp3, recontextualiza toda a narrativa em volta dos seus, não digo heróis, mas referências de infância. E se lembra de tantos outros rebeldes e transformadores culturais que estavam nessa corrida pela aceitação paterna. Uns como velocistas, outros como maratonistas.

Não que eu seja favorável a explicar a cultura e a política exclusivamente pela psicologia. Porém, às vezes, é um recurso que certamente ajuda a criar alguma empatia.

De repente, aquele megacrápula é visto como um bebê esperneante. Mesmo que seja preciso encarcerá-lo, pelo menos você o faz a partir de um ponto de vista mais compassivo. Com alguma sorte, isso o impede de se tornar um hipócrita, dono da verdade. Essas coisas.

Você lê sobre um “grande realizador” e também vê uma criança presa num loop. Isso dissolve um pouco o deslumbre ingênuo e até o vício da comparação.

Toda uma sociedade de crianças assustadas. E você enxerga o mundo assim porque também é uma delas. Dá uma sensação de comunidade.

É tudo culpa dos pais, é tudo culpa do carma, é tudo culpa da necessidade de atribuir culpa, é sapiens demens, apavorado com a bad trip da linguagem. É a energia, o barulho branco da mente.

Então você olha pela janela, vê a chuva batendo nas pedras. Como num filme hipster, deseja ser como uma pedra. Logo ri, lembrando que não sabe o que é “ser uma pedra” e projeta ali uma paz que talvez não exista. Questiona a ideia de paz. É a energia, o barulho branco da mente.

Levanta, faz um chá e percebe que aquele estado mental já está começando a se dissolver. Rapidamente, dá lugar ao desejo de entretenimento. Que tal ouvir um dos caras do Run DMC falando sobre ansiedade?

E assim vai.