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Sem fugir do caos

Por Eduardo Fernandes.

Olá,

Tudo bem?

Nesta semana, assisti a "Matthias & Maxime", o premiado filme de 2019 de Xavier Dolan (está no Mubi).

A história mostra dois amigos de infância. Ambos têm por volta de 20 e poucos anos e estão começando a consolidar suas identidades como adultos. Mas o cenário em que isso acontece é bem diferente pra cada um deles.

Matthias #

Matt é um advogado vindo de uma família de classe média. Confronta-se com o tédio e ressentimento de ter que começar num trabalho cheio de hipocrisia e valores duvidosos. E, aqui, Nolan se mostra um cineasta com um senso de humor sensível e interessante.

Um dos primeiros trabalhos de Matt é acompanhar (e entreter) um outro jovem advogado, norte-americano, em visita profissional ao Canadá.

Os dois vivem em universos psicológicos paralelos: Matt é introspectivo e está no meio daquele processo no qual a pessoa não consegue parar de se comparar aos outros, em busca de sua própria identidade.

O visitante é agressivo, acelerado, hedonista e cheio de autoconfiança. Matt desenvolve um misto de fascinação e asco por ele. E percebemos tudo isso apenas pela montagem do filme e nas trocas de olhares.

Maxime #

Já Max, vivido por Nolan, mora num bairro pobre, cuida da mãe dependente química e violenta, além de ter uma mancha vermelha que cobre parte do lado direito do seu rosto.

Sem perspectivas em seu país, decide migrar pra Austrália. A mancha e a pobreza são seus "desafios" de nascença. Não há como apaga-los.

& (o que está entre os dois) #

Essa é a primeira tensão de fundo que permeia todo o filme: a quebra do grupo, a ausência do amigo.

É uma história sobre a característica borbulhante e ansiosa dos momentos de transição: quando o passado não funciona mais e o futuro está nublado e incerto.

De um lado, a nostalgia da inocência perdida. De outro, o medo de não entender direito o cenário que parece se delinear à frente.

De alguma forma, há a constante intuição de que estamos perdendo o controle, de que, a partir de agora, teremos que desenvolver a habilidade de negociar. Na verdade, assistimos à dissolução da fantasia infantil de que podemos controlar totalmente a vida.

Que filme pra se assistir na nossa época – ainda que ele seja anterior ao COVID-19 e certas condições políticas que vivemos.

É preciso enfatizar que "Matthias & Maxime" quer nos manter alí, saboreando a transição. Diligentemente, Nolan evita sair dela.

Tanto que somos (praticamente) obrigados a aguentar várias festas de despedida, bem no estilo colegial, com muitas conversas desconexas, piadas internas e algumas drogas. Um adeus que sempre é adiado.

Quem sou eu, agora? #

Numa dessas festas, surge a outra maior tensão da história: Matt e Max são "convencidos" a participar de um filme amador, no qual precisam encenar um beijo entre eles. A partir daí, ambos percebem que a relação dos dois vai além da amizade.

Mais uma identidade pra colidir com as outras, que já estão num processo dinâmico de fusão e dissolução: "sou gay, sou bi?"

"Matthias & Maxime" parece um filme casual, despretensioso, com fotografia simples e até cru. Você entende porquê, ao assistir à entrevista de Xavier Nolan, que o Mubi embedou depois dos créditos do filme: Nolan diz preferir os mestres "vira-lata", o segundo escalão da Nouvelle Vague, os cineastas que não são imediatamente vistos como grandes inovadores. Nolan é da sutileza. Ainda que no meio de uma festa de adolescentes.

Enfim, pra resumir numa só frase, tldr: "Matthias & Maxime" é um filme pra quem decide olhar direto nos olhos da transição e ficar alí um tempo.

Se você assistir até o final, talvez se lembre disso.


Onde meu vira-lata está? #

Por falar em vira-latas, o episódio desta semana do Monólogo Estéreo, parte de um documentário sobre Steve Ditko, o recluso e misterioso criador do Homem Aranha, cujo personagem [Mr. A](https://en.wikipedia.org/wiki/Mr._A#:~:text=A is a fictional comic,witzend %233 (1967).) inspirou Alan Moore a criar o Rorschach.

Acabo discutindo nossa paixão pelos ex-losers, pelos salvadores anônimos ou personagens que nunca são reconhecidos pela sociedade, mas que, num certo momento, acabam por “mostrar ao universo” que estavam certos.

Por que adoramos uma grande e sofrida redenção, numa sociedade tão viciada em conveniência? Não que eu tenha uma resposta, exatamente, mas ouça lá.


Site novo #

Eduf.me é o meu novo site / blog / digital garden estilo das antigas. Ainda não tem muita coisa lá, mas vai virar a central do meu trabalho on-line daqui pra frente. É que vou evitar (ainda mais) as redes sociais daqui pra frente. Se achar que vale, passe lá.


Uma perguntinha… #

Vocês acham que vale ter imagens na newsletter? Apesar dela se chamar .TXT, né? Talvez tivesse ficado legal no texto de hoje, com fotos do filme.

Então é isso.
Boa semana.

Abraço,

Eduf


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