Por Eduardo Fernandes.
Como você sabe, o jornalista e cineasta Arnaldo Jabor morreu recentemente. Fui leitor regular de suas colunas no OGlobo e na Folha de S. Paulo, nos anos 90. Por volta dos 2000, perdi o contato com seu trabalho, não me lembro porquê. Em verdade, verdade vos digo: era (e sou) muito mais fã do gênero crônica do que de Jabor em si.
Aconteceu também com Nelson Rodrigues. Não me interessava exatamente pelo seu teatro ou pelas suas ideias, mas me divertia com o estilo das suas crônicas. Tanto que lia até mesmo seus textos sobre futebol, assunto sobre o qual consigo ser ainda mais ignorante do que sou a respeito de todos os outros.
Era uma época diferente: líamos autores(as) com os(as) quais não concordávamos. Admirávamos textos mesmo que repudiássemos suas ideologias. Aprendíamos de um jeito torto. Minha formação sobre Karl Marx, por exemplo, se beneficiou muito de um livro de Raymond Aron. O pensador liberal francês era, sobretudo, um grande escritor: didático e preciso, levantava questões que facilitavam a releitura dos textos originais. Em outras palavras: Aron me ajudava até mesmo a discordar de Aron.
Mas estava falando sobre Arnaldo Jabor.
Li alguns dos textos que saíram na imprensa falando sobre sua morte. De modo geral, se focavam nas reclamações sobre as dificuldades de ser cineasta no Brasil. Havia também declarações sobre o peso psicológico de escrever sobre política. Assim, um completo leigo acharia que Jabor era, basicamente, um intelectual pobre, que morreu frustrado. Não é bem assim.
Porém, esse reducionismo me atingiu. Depressivo — já que também trabalho com conhecimento —, liguei no meio da noite para o meu analista, Dr. Distopia, para tentar tirar algum sentido dessa situação. Seguiu-se o seguinte diálogo:
Eu: Será que eu também vou morrer frustrado com minha profissão?
Dr. Distopia: Você está frustrado agora?
Eu: Quem não está, não é mesmo? (Rindo nervosamente.)
DD: E o que te frustra?
Eu: A sensação de não tirar a quantidade de dinheiro que eu gostaria das minhas atividades.
DD: Pelo menos você gosta do que faz?
Eu: Talvez. Quer dizer. Sim! Não sei.
DD: E o que lhe faria gostar mais da sua profissão?
Eu: Sei lá, o sentimento de reconhecimento.
DD: Financeiro, você diz?
Eu: É. Não sei. Talvez.
DD: Quanto dinheiro lhe daria essa sensação?
Eu: Sei lá. O equivalente a uns 100 abacates por mês. Abacate anda caro, não é? (Rindo nervosamente.)
DD: Você mede sua riqueza em abacates?
Eu: Sei lá. Foi a primeira coisa que veio na cabeça. De qualquer forma, os japoneses não mediam riqueza em porções de arroz?
DD: Hmm. Abacates... São fechados, é preciso cortá-los ao meio para consumi-los... Demoram um tempo para amadurecer e depois estragam facilmente... É assim que você se sente, algo difícil de manipular e, portanto, caro?
Eu: Essa conversa está estranha.
DD: Por quê? Você acha que as conversas não deveriam ser estranhas?
Eu: Errr. Não?
DD: Então por que não mencionou um tomate, um pepino?
Eu: Tomate é mais simples que abacate?
DD: Você acha que é?
Eu: Estou ainda mais confuso. Eu liguei para falar sobre Arnaldo Jabor e você me levou para o CEASA?
DD: E você acha que o CEASA não é um lugar digno para Arnaldo Jabor?
Eu: Não, não, não estou falando isso...
DD: CEASA é onde estão as pessoas comuns com suas frustrações comuns de trabalho e dinheiro, onde coisas orgânicas decaem, onde insetos tentam sobreviver a partir do apodrecimento... CEASA é o caos destrutivo / nutritivo que você não quer enxergar? Você queria o quê? Um SESC, com sua decoração moderna e perfeita? Epcot Center? Parque aquático?
Eu: Hã? Eu queria jus...
DD: Vamos encerrar por hoje.
Enfim. Não sei se o Dr. Distopia me ajudou ou me atrapalhou. Mas eu precisava compartilhar a experiência com você. De qualquer forma, depois da minha consulta extemporânea, fiquei com um sentimento relaxante de catarse, de vazio intelectual. Já é alguma coisa. Vou reler alguns textos de O Malabarista e rever Eu Sei Que Vou te Amar, só para garantir.
Meus pêsames para a família de Jabor e minha gratidão pelos textos lidos na minha adolescência.
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