Por Eduardo Fernandes.
Mês difícil pros jornalistas. Depois que o Medium cancelou suas publicações e convidou as redações a pedirem demissão, o BuzzFeed comprou o HuffPost e despediu cerca de 47 pessoas, a maior parte de jornalistas. The Intercept também informou que, desde que Donald Trump saiu do poder, a quantidade de novas doações ao site esquerdista diminuiu em 50%.
Esse fenômeno é mais uma indicação de que estamos no meio de um processo acelerado de mudança civilizatória (o que inclui cultura, política, ambiente, tecnologia e, claro, economia). É que certas profissões nascem, florescem e morrem em conexão com seus “esquemas civilizatórios”.
Por exemplo, os monges copistas da Idade Média não eram simplesmente mão de obra especializada. Eles refletiam toda uma visão cultural de onde vinha o conhecimento (Deus e autores clássicos), de como lidar com isso, e qual deveria ser a ética e a atitude de alguém que se dedica integralmente à atividade intelectual.
Assim, o jornalista é um produto da Revolução Industrial, dos valores, medos e desejos do Capitalismo nascente. O pensador vigilante da democracia, o Quarto Poder, a “opinião pública”, entre outras metáforas que estão se dissolvendo rapidamente.
Entramos na Era das Criptomoedas, do aquecimento global avançado, das comunicações mediadas por algoritmos, da pós-verdade, das redes sociais e das bolhas de informação (em vez de uma suposta “opinião pública”). E o jornalista aparece como algo um tanto cambaleante e anacrônico, assim como os monges copistas pareciam uma relíquia, enquanto eram atropelados pela Modernização do Ocidente.
Mas, espere. Outra hora eu discuto se o jornalista ainda é importante pra democracia (spoiler: acho que sim, mas é um assunto complexo).
Agora, quero chamar a atenção pro seguinte: muitos jornalistas migraram pra uma carreira “independente”. Ou seja, viraram YouTubers, publicaram no Substack e similares, ou até mesmo lançaram sites via Wordpress, entre outros. Assim, “independente”, na verdade, significa “dependente da Big Tech”. No fundo, todo mundo está trabalhando pro Google, Microsoft, Facebook e, claro, Amazon (que hospeda meio mundo no AWS).
Assim, o jornalista tem de adaptar seu trabalho pra “aumentar sua exposição” e crescer sua audiência (via SEO, algoritmos das redes sociais, “dicas” de academia de YouTube) etc. Sem problemas. Ele já fazia algo similar no passado, pra poder se encaixar em periodicidade, números de vendas, publicidade e formatos editoriais. Jornalismo sempre demandou algum jogo de cintura, certo? Faz parte.
Mas deixe-me exercer meu direito à futurologia barata. É que não acho que o jornalismo prosperará por meio das doações do público, crowdfunding. Provavelmente, apenas os profissionais já famosos conseguirão fazê-lo, com uma ou outra exceção.
O futuro do jornalismo talvez esteja no modelo Spotify: depender de uma plataforma e seus algoritmos pra divulgação e hospedagem, e receber alguns centavos a cada vez que o conteúdo for consumido. Ou, talvez, uma combinação disso com algo de Netflix: jornalismo “original”, bancado por uma empresa de mídia (que por sua vez é bancada pelo capital financeiro).
Parece um cenário triste. Pudesse, eu voltaria aos monges medievais, debruçados por anos em alguns poucos manuscritos, recebendo casa e comida em troca. Mas, provavelmente, estou romantizando (ou seja, olhando com olhos Modernos) uma profissão que foi engolida por outra transição civilizatória anterior. Chamam isso de impermanência. Deve acontecer diversas vezes ainda.
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