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SXSW e o colonialismo Tech

SXSW e o colonialismo Tech

Por Eduardo Fernandes.

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Você, brasileiro, passou seus anos de formação consumindo cultura norte-americana. Parte dos produtos que usa diariamente ou têm nomes em inglês, ou, pelo menos, vêm escritos na língua. Até suas camisetas têm frases (meio que sem sentido) no idioma.

Seu caminho espiritual é a cultura pop dos EUA. Você gasta muito tempo e dinheiro com ela. Seus valores, objetivos, prazeres e dores são baseados nela. Sua ideia de transcendência é ser reconhecido como inovador e disruptivo. Ou melhor, vencer na hustle culture. E, claro, não viver sempre ansioso por conta de dinheiro.

Você praticamente não lê mais livros, passa o dia pulando de um micro fragmento de informação para outro, todos gerados em redes sociais norte-americanas ou pela imprensa de entretenimento tecnológico, a Tech Pop. No máximo, usa um TikTok, que é chinês.

Lê sobre inovação, sobre ferramentas “revolucionárias”, carros elétricos, mas nem pode sair na rua com aquele seu novo iPhone, por medo de ser roubado — ou morto. Em alguma tela, vê que o crime organizado causou caos numa cidade do norte do país.

Então, algum diretor de marketing aparece com a ideia genial de ir para a SXSW, em Austin, Texas. Um funcionário cuidará da burocracia do visto. Talvez até pague a conta de todo o processo.

Finalmente, você sentirá o gosto daquilo que vê no celular.

Gente moderna e antenada. Festas logotípicas (cheias de marcas por todos os cantos). Maconha legalizada. Whole Foods. Patinetes elétricos cotidianos, sem o apelido de “Faria Limer”. Conversará sobre coisas que lhe parecem importantes. Poderá comprar bugigangas e esconder na mala. Ao cruzar a South Lamar Boulevard, espiará a canoagem no Rio Colorado, em vez do lixo do Tietê e de ficar alerta para possíveis sequestros.

Além disso, poderá colocar no currículo, no ego e nas redes sociais que esteve lá, no centro do universo da Tech Pop. Ainda que a SXSW (e Austin, coitada) não tenha mais aquela respeitabilidade do passado. É uma Disneylandia para (certo tipo de) adultos.

Melhor: tudo isso sem precisar ficar mais tempo no país e conhecer os problemas da vida de imigrante.

Não faz o mínimo sentido, né? Por que 2 mil brasileiros foram para a SXSW em 2023? Mistério.

(E por que será que há quase 2 milhões de brasileiros morando nos EUA?)