Por Eduardo Fernandes.
O que "tecnologia" evoca para você? Aparelhos? Códigos? Notícias sobre empresas canibais buscando o Lucro Infinito? Talvez tudo isso. Porém, a etimologia indica que usamos essa palavra de um jeito estranho. Simplificando, o termo grego tékhnē indica "fazer", e é usado em comparação a epistēmē, "conhecimento", "entendimento".
Esse é um debate um tanto específico na filosofia clássica. No entanto, ao longo da história, o significado da palavra se tornou praticamente o oposto do original. Hoje, tecnologia é mais associada à ideia de conveniência, de algo que executa tarefas por nós. Em vez de fazer, tentamos delegar, externalizar complexidades e, no limite, facilitar a alienação voluntária.
Gente que (não) faz #
Assim, um artesão criando um cesto manualmente pode ser mais "tecnológico" do que alguém que compra o mesmo objeto usando VPN e navegador Tor, na deep web. Por outro lado, um programador, idealmente, ainda seria um "fazedor". Daí a frase de Douglas Rushkoff, programe ou seja programado.
Então, a respeito de tecnologia, seja você entusiasta ou cético, apocalíptico ou integrado, ou qualquer nuança entre esses extremos, é importante entender que nossa visão de tecnologia é baseada numa Vontade de Ignorar. (Brinco aqui com a ideia de Nietzsche, Vontade de Poder, e a de Michel Foucault, Vontade de Saber).
Ou melhor: o que eu preciso construir ou comprar para não precisar saber? Para não ter que lidar com (insira um problema). Talvez os gregos achariam um tanto inusitado esse uso do termo tékhnē. Vai saber.
Fomos mesmo traídos? #
Toda essa volta para dizer o seguinte: não deveríamos nos sentir exatamente traídos quando notamos que parte da indústria de tecnologia se tornou monopolista, lobista, obscura em seus procedimentos e que, basicamente, é uma reencarnação da indústria do tabaco.
De certa forma, isso era o esperado, dado suas bases filosóficas (conscientes ou inconscientes). Você não pode criar toda uma indústria baseada na Vontade de Ignorar e esperar coisas justas, claras e transparentes.
O que falta para a versão atual de tékhnē é o velho contraponto de epistēmē. Não que isso resolveria todos os problemas da humanidade, especialmente dentro de um sistema capitalista. Mas parar de cultuar cegamente a Religião Tecnológica talvez fosse um bom começo. Tecnologia é o ópio do povo (às vezes até literalmente).
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