Por Eduardo Fernandes.
Crescemos e morremos imitando. Primeiro os pais, depois outros seres vivos, os mortos, os seres imaginários e as regras. Mas há quem transforme imitação em arte, profissão ou até jornada pessoal.
É o caso de Akio Sakurai, músico japonês que decidiu “se tornar” Jimmy Page, o guitarrista do Led Zeppelin. Sakurai não fez como boa parte dos japoneses, que se apropriam da cultura estrangeira e a transformam em outra coisa. Ele buscava a total fidelidade e acuracidade.
E assim seguiu, por 30 anos. Até que desce do avião em Los Angeles. Não em Londres. É que, por mais que o Led Zeppelin fosse da Inglaterra, o mundo incorporou o encosto do rock conforme conjurado pela indústria do entretenimento dos EUA.
Em solo norte-americano, recebe o reconhecimento do próprio Jimmy Page. Então, Sakurai começa a descobrir em quais encruzilhadas da vida “decidiu” importar a personalidade de uma só pessoa, em vez de tropeçar por aí, tentando descobrir a sua própria.
Essa é, mais ou menos, a história do documentário Mr. Jimmy, que deve estrear em alguns países em 01/07. Não no Brasil, ao que parece. Mas sempre se dá um jeito de assistir. Segue o trailer oficial.
O fenômeno dos imitadores sempre me fascinou. Alguém que passa a vida inteira tentando ser ou achando que é um Outro. Por dinheiro, por ideologia, ou seja lá qual situação psicológica, nasce essa necessidade de se recriar seguindo uma imagem “externa”. E essa recriação ganha valor à medida que é mais precisa e detalhada.
A descrição acima é propositalmente abstrata. A ideia é que, de certa forma, todos somos um pouco como Mr. Jimmy. A diferença é que nossos modelos são um tanto borrados. O de Sakurai está em 4K.
Por exemplo, alguns de nós queremos ser “grandes escritores”, um “grandes empresários”, criar algo “relevante”, ou algo assim. Mas juntamos fragmentos de desejos, descrições vagas, imagens incompletas do que significaria atingir esses objetivos. É quase sempre uma fantasia, cheia de inconsistências.
A vantagem de imitadores como Sakurai é que eles têm um modelo totalmente pré-fabricado pelo departamento de marketing da gravadora do Led Zeppelin. E é fácil de reproduzi-lo, graças ao personagem unidimensional e caricato que a imprensa construiu em volta do guitarrista do Led Zeppelin. Ninguém quer ser Jimmy Page com diarreia ou indo ao dentista.
O imitador tem um fetiche interessante: quer ser julgado publicamente, comparado, investigado minuciosamente. Numa sociedade individualista, que supostamente presa pela originalidade, o imitador extrai seu sucesso de um lugar bizarro: a capacidade de reproduzir o outro. Aparece ao desaparecer.
Ainda que já tivéssemos paródias como Spinal Tap, foi só no seriado The Osbournes, da MTV, que o rock ganhou seu momento Watchmen, seu Alan Moore. O desencanto com o mito vira objeto de consumo. Passamos a nos entreter com outro tipo de personagem, o roqueiro glamuroso fanfarrão, ex-baladeiro, meio fora da área.
Mas, fora da mística do rock clássico, não temos a sorte de Sakurai. Continuamos a perseguir fantasmas com corpos mais sutis. Aparentemente mais diversos, menos ectoplásmicos, escondidos no meio de modas, profissões, tendências, “trends” e timelines.
E ainda não surgiu um verdadeiro The Osbournes pra cultura da nossa época. Nem pros glamurosos dela: os bilionários, os startupeiros, os fãs acríticos de cultura pop e de tecnologia.
Ainda que o escárnio seja generalizado – via memes, seriados de TV, etc. – continuamos a tentar imitar a figura do capitalista bem-sucedido e da pessoa-perfeitamente-entretida. Não temos ainda um “consenso” cultural de quanto esses modelos podem ser ridículos ou fúteis. Assim, não há Mr. Jimmys pra estranharmos. Porque também estamos engajados na imitação. Nem sequer enxergamos o quanto ela é sutil.
Temos alguns momentos de alívio cômico. Ou de autoconsciência (“espera aí, esse aí não é o meu verdadeiro desejo”, “eu não deveria estar gastando meu tempo com isso”). Mas a máquina da imitação é mais rápida. Consegue nos mantér ocupados com outra sucessão de modelos pra perseguir.
Feliz de Sakurai que, pelo menos, conhece claramente o seu fantasma.
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