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Transportando desejos no avião

Por Eduardo Fernandes.

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“Pode trazer uma coisinha pra mim dos EUA?”

Minha tour de 2023 pela Califórnia está chegando ao fim. Em 15 dias, volto pra São Paulo, por alguns dias. Foram 6 meses. Passou rápido demais.

Fazendo as malas, me deparo com uma situação bem brasileira: conhecidos me pedindo pra levar coisas pro Brasil. Cheguei com uma mala de mão. Volto praticamente com um contêiner. Meus colegas de PPI brincam que é só aparecer um brasileiro que os pacotes se multiplicam na caixa postal.

A fúria consumista brasileira é implacável. É um King Kong esbravejando no alto do edifício. Um demônio da Tasmânia. Um tornado destelhando os galpões da Amazon. Os funcionários do Bezos estão sofrendo ataques cardíacos em massa.

Da minha parte, me viciei um pouco na prática do thrifting, a de descobrir pérolas em brechós. Aliás, as vendas de garagem se proliferam pelas esquinas. Cheguei até a fazer vídeo sobre isso, há algum tempo.

É impressionante o papel que os EUA (e a China) cumprem: ser as lojas de bugigangas do planeta. Passei só uns 20 dias na China e não sei direito como funciona lá. Mas, nos EUA, o consumismo é algo inescapável. Ou você está inconscientemente a favor, ou militantemente contra.

São promoções em todos os feriados, vendas de final de estação, cortes de preços relâmpago, queimas de estoque, etc. Ser norte-americano é viver bombardeado pelo estímulo incessante ao consumo. É um FOMO contínuo. Até mesmo um feriado pra lembrar dos veteranos de guerra acaba associado a fazer compras.

Cadeias como a Costco são verdadeiras monstruosidades. Galpões gigantes, cheias de pacotes de tudo o que você imaginar, do chão ao teto. Você entra e sente-se minúsculo, logo de cara. Tem vontade de sair dançando pelas gôndolas, como um oompa loompa.

Na Costco, você pode tomar vacina de COVID, fazer um exame com um oftalmo e ainda comer uma pizza de USD 2. Paulistanos, como eu, tendem a achar que conhecem o consumismo. Mas o que se pratica aqui está num outro nível.

Porém, no fundo, receber caixas pelo correio têm um apelo especial. Mexe com suas expectativas, com a sensação de quebra de rotina, com a ansiedade e a antecipação. Depois que você abre o pacote, vem o tédio. A mecânica do e-commerce (comprar, negociar, projetar, esperar pelo produto) é a epítome da masturbação consumista.

Claro, não é coisa só pra norte-americano. Muitos brasileiros se sentem excluídos desse universo de suposta liberdade e tesão. Então, procuram intermediários como eu pra transportar as coisas mais inusitadas.

Não é que você realmente precise dos objetos. Mas não pode perder essa oportunidade. A de ter um respingo de primeiro mundo caindo no seu quintal. Todo brasileiro voltando dos EUA tem um pouco de sacoleiro e de Caronte (só que transportando coisas do mundo dos “vivos” pro mundo dos “mortos”).

Quando terei essa oportunidade de novo? Esse privilégio de ter alguém voltando do reino dos deuses? É melhor comprar agora. Dólar está alto? Fazer o quê? Coloca as roupas num saco de vácuo que cabe mais um celular em algum canto.

Ok. Então vamos lá, voar entre as nuvens, carregando os comprovantes dos nossos desejos. Esses objetos que compramos em outras “nuvens”, as que vivem em data-centers, firmemente incrustados no chão. Assim como muitos de nós, presos a cabos que consomem energia.