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Tudo virou programa de TV

Por Eduardo Fernandes.

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Aqui, enquanto escrevo, ouço o som da tempestade, que esconde a Serra Gaúcha num tom #D3D3D3. É impossível enxergar as montanhas.

Há apenas 10 minutos, elas pareciam ser uma verdade definitiva e imutável. Se você olhasse fixamente, por um bom tempo, o cenário gradativamente se tornaria meio irreal, como numa pintura. Mas, ainda assim, seria difícil imaginar que a Serra sumiria da sua visão tão rapidamente.

Nascido e criado em São Paulo, sempre ouvia falar sobre a característica cinzenta da cidade. Mas, lá, nunca conseguia encontrar essa uniformidade tonal: o concreto sempre estava pintado de outras cores, a fuligem da poluição mudava de cor diversas vezes ao longo do dia.

Já na Serra, quando o cinza aparece, ah, ele se faz perceber. Seja quando ele vem calmamente, quase Norueguês, na neblina #CCCCCC, seja quando ele aparece acompanhado de sons ameaçadores e #808080.

Cedo ou tarde, as nuvens se dissipam em #196f3d, #5dade2 etc. Voltar ao verde demora. Escondê-lo é um processo rápido. Já, nos EUA, as certezas se dissolvem em #FF7F50. Em vez de água, chamas. Em minutos, tudo muda.

Enquanto isso, em lugares aparentemente mais estáveis, a Amazon lança o turismo digital. Chama-se Amazon Explore.

A ideia é criar experiências "virtuais", como se você estivesse visitando vários lugares do mundo. E aí, sim, não é tão estranho descrever paisagens usando HEX code.

Mas o que, afinal, seria essa experiência virtual? O termo é um tanto confuso. No caso, do Amazon Explore, pelo menos de acordo com o vídeo promocional do site, seria melhor usar o termo "experiências televisivas". Ou seja: a visita se transforma numa espécie de programa de TV a cabo.

Você agenda uma "visita" a um local ou a uma loja. E, então, surgirá alguém amigável que lhe mostrará o que há de "quente", novo ou curioso por ali. Tudo num tom didático e colorido. A diferença é que você poderá interagir com os "apresentadores", digo, nativos. E, claro, fazer suas compras, direto na Amazon.

Bem diferente das minhas últimas experiências fora do país, quando, por exemplo, eu descia pelas montanhas de Sichuan, na China.

No meio de espessa neblina, um micro-ônibus cortava a toda velocidade por estradas estreitíssimas, no meio de desfiladeiros. Parecia que estávamos quicando no meio do nada, já que apenas conseguíamos enxergar pedras vermelhas, surgindo pelas laterais, nas janelas. Tenho imagens pra você. Duvida?

Não vou gastar meu tempo reclamando de como a Amazon quer comercializar (ainda mais) o turismo. De certa forma, se a pessoa viaja apenas em busca de entretenimento e consumo, talvez seja melhor mesmo que ela o faça sem sair do sofá. Assim, deixa de poluir o planeta com aviões e lixo. (Resta saber se o custo dos servidores é mesmo menor que o dos aviões, mas enfim.)

O que eu queria dizer mesmo é que a mentalidade do broadcasting, da TV, está influenciando quase todos os aspectos da nossa vida. Trabalho (reuniões via Zoom), relacionamentos (perfís em aplicativos), a disseminação da cultura e das opiniões, a educação, a política, a religião… Nossa geração "enTVelizou" a vida.

Quase todos nós viramos produtores de conteúdo. E, já que, como se diz, "o meio é a mensagem", essa produção fica cada vez mais industrializada, periódica e seguindo regras específicas. Explícitas (como no YouTube Creator Academy, por exemplo) e não-explícitas.

De novo, me esforço pra não olhar pra esse fenômeno apenas com um viés rabugento.

Mas, realmente, torço para que o legado da nossa época não seja apenas nos deixar totalmente dependentes de entretenimento. E, mesmo que isso aconteça, torço pra que não percamos, pelo menos, certa diversidade. Caso contrário, aí sim, talvez o cenário ficasse um tanto acinzentado. #A9A9A9.

Tomara que eu esteja bem errado.


Aquecimento mental global #

Todo conteúdo que consumimos deixa um resíduo mental. Precisamos de uma ecologia do pensamento? Essa é a pergunta que faço pra mim mesmo no episódio dessa semana do podcast Monólogo Estéreo. Pra me ajudar a respondê-la, peço a ajuda da meditação – essa técnica revolucionária, que, estranhamente, anda na moda. Agora também teremos transcrição do áudio no site Eduf.me. Ouça lá.


Então é só isso.
Essa semana está corrida.

Abraço,

Eduf


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