Por Eduardo Fernandes.
E a palavra do dia é… ultracrepidarianismo.
Como é? Ultra-crepi-daria-nismo. Significa "dar conselhos ou opiniões mesmo sem entender o assunto em questão".
Quem nunca?
De modo geral, parece uma extensão natural da conversa fiada. Ou melhor, conversa phatica, aquela que tem funções como "azeitar" as relações sociais, quebrar o gelo, criar um clima de empatia e aceitação.
Funciona assim:
(Imagine um elevador pré-COVID.)
– Será que chove hoje? – Não sei. Você viu a previsão do tempo? – Não confio nessas coisas. Dizem que a chance de acerto é só de 50%. – Pois é… qualquer coisa vale. Você sai de casa sem o guarda-chuva e depois fica doente. – Mais aí é só passar óleo de urucum no peito. E pode enfrentar até dilúvio. – Óleo de urucum? – Sim. Os índios é que sabem das coisas. Vivem pelados no meio da Mata Atlântica e nunca pegam resfriado. – Ah. Entendo…
Notou a transição? Rapidamente, a conversa phatica vira utracrepidarianista. É um hábito muito automático.
O passo seguinte pode ser o famoso e polêmico Efeito Dunning Krueger: a arrogância da ignorância. A pessoa sabe tão pouco sobre um determinado assunto que pensa que sabe mais que a maioria. E não consegue sequer perceber a extensão da sua ignorância.
Paciência. Cedo ou tarde, todos nós queremos parecer espertos, ou até úteis. Mas, combinada com a tecnologia e a paranóia, essa prática pode levar a deepfakes, extremismos etc.
Não é exatamente difícil perceber o seu próprio ultracrepidarianismo. Difícil mesmo é pausar o processo logo que ele começa a se desenvolver. Quando você vê, já foi. Haja disciplina.
Maravilhas da comunicação.
Grito primal #
Que tal criar um Twitter pro áudio? Várias companhias estão investindo nessa ideia. A MIT Technology Review levantou alguns problemas que podem surgir, em especial com respeito à moderação. Ainda não existe um bom sistema de indexação de áudio, então moderar conteúdo seria algo muito caro e potencialmente ineficiente.
Se, hoje em dia, o Twitter já parece problemático, pense no que poderá acontecer ao removermos mais uma fricção (escrever) do ato de se comunicar. Minha nossa senhora do algoritmo: imagine poder ler algo, ficar puto, ser sequestrado pela amígdala, e sair gritando por aí, sem nem ter que digitar.
Eu passo essa, muito obrigado.
Aliás, talvez seja a hora de repensar esse esforço todo pra tornar a comunicação cada vez mais instantânea. No meu caso, geralmente, ela só me causa problemas. Mas, de repente, só eu que nasci com defeito.
De qualquer forma, segue uma sugestãozinha gratuita pros meus leitores capitalistas: algum de vocês poderia lançar um aplicativo que, sei lá, usando inteligência artificial, fosse capaz de ler e "entender" minimamente o conteúdo da mensagem, antes de enviá-la. E, então, o programa poderia fazer umas perguntas-chaves, relacionadas ao assunto. Só depois liberaria a publicação.
A ideia seria adicionar fricção, estimular o autoconhecimento, o "pensar antes de falar". E a coisa toda iria ficando mais esperta, de acordo com o uso.
Mas ah… já inventaram isso… chama-se "cérebro". E nem é tão eficiente assim.
Quem gosta de usar essas tecnologias antiquadas? Já tentou o mimeógrafo?
Ouvindo #
- Querendo começar uma festa tipo funk anos 70 aí na sua casa? Então toma.
- Free-jazz vindo da Finlândia, mas conectando estilos de música de várias partes do mundo com alguns timbres eletrônicos: Arthur Hnatek Trio. Eu começaria por aqui.
- Nunca vi o filme, gostei da trilha sonora. Femina ridens (1969), do diretor italiano Piero Schivazappa.
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Fontes seguras #
Milico Sans é "uma fonte inspirada nos letreiros encontrados nos muros de uma vila militar em Goiânia". Que inusitado. E traz interessantes ligatures e alternates. Já a Soyuz Grotesk parece que perdeu a cabeça, mas nem.
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