Por Eduardo Fernandes.
Foto de Mike Bird, via Pexels.
Outro dia, eu estava conversando com uma pessoa. É raro, mas acontece. E percebi que estava completamente entediado. Quer dizer, por dentro. Por fora, eu era mais simpático do que garçom de restaurante Michellin de 3 estrelas.
É que a pessoa não soltava frases de efeito. Não me fazia rir. Não falava sobre filmes, música ou arte. Não contava histórias, não comentava notícias ruins, nem reclamava de trabalhar demais.
Em situações como essa, geralmente, assumo o show e sufoco o interlocutor com nerdismos. Mas, dessa vez, consegui me controlar e me perguntei: por que, afinal, estou achando essa pessoa tão desinteressante?
Minha conclusão? Por causa da midialização da vida.
Explico.
Desde criança, me habituei a consumir altos volumes de mídia. Filmes, TV, jornalismo, cinema e alguns tipos de artes. Foram muitas e muitas horas diárias de doutrinação mental voluntária, de uma verdadeira sucção cultural.
Mas sucção de um tipo de cultura muito específico. Uma filtrada por uma lógica industrial. E que tinha dois lados: um mainstream e seu doppleganger, o tal underground. Por exemplo, muita contracultura que li (ou pratiquei) usava regras da indústria cultural pra tentar subvertê-las. Era uma espécie de codependência.
Esse consumo massivo de mídia impôs um ritmo à minha cognição. De alguma forma, preciso receber estímulos contínuos de entretenimento pra poder me interessar por algo. Até por outros seres humanos.
A prática de meditação foi a única coisa que realmente desestabilizou minha dependência da mídia. Agora, sou pelo menos capaz de enxergar uma porcentagem mínima do meu fluxo mental compulsivo.
E, ali, naquela conversa, minha compulsão se manifestava claramente: o desejo pelo entretenimento constante me levava a, praticamente, segregar o interlocutor. Mesmo que ele (talvez) não percebesse.
Tal é a força da midialização da psique.
Esse é o legado do século 20, do pós-Segunda Guerra Mundial. Onde quer que eu vá, existe um sistema operacional da indústria do entretenimento rodando ao fundo. Tudo tem que ter gancho, sensação, embalagem e “esperteza”.
Esse sistema me torna cego pra outros tipos de gente interessante. Ou melhor: define minha percepção de uma maneira tão profunda, que ainda sinto que preciso dizer que existem “outros tipos de gente interessante”.
É um loop, uma órbita cultural difícil de perceber e, portanto, de transcender.
Passamos muitas horas do dia imersos na lógica midiática. Aprendemos a filtrar artes e amores por meio dela.
Ou até mesmo imagens e notícias sobre atrocidades de guerra. Isso está longe de ser novidade, vide os ensaios de Susan Sontag sobre o assunto, que datam de 1977 e 2003.
O sistema operacional midiático se tornou tão onipresente que está sobrecarregado. Hoje, conseguimos enxergá-lo. Os bugs começam a aparecer em todos os cantos. Em especial agora, na guerra entre Israel e Hamas.
De um lado, está o business da desinformação, que usa técnicas de mídia pra simular credibilidade e monetizar conteúdo. De outro, os veículos tradicionais, que tentam reclamar o espaço perdido, após anos tentando se adaptar às redes sociais e ao SEO.
A lógica da mídia e da indústria do entretenimento não consegue mais lidar com a complexidade da realidade. Cambaleia pra corrigir a si mesma, expondo ainda mais suas feridas econômicas e morais.
Resta saber o que vai surgir a partir desses abalos sísmicos.
Tenho alguns palpites.
Mas isso é assunto pra outro dia.
Aliás, terminar o texto assim também é uma técnica da indústria do entretenimento. Chama-se “cliffhanger”. Como queríamos demonstrar.
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