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Você é obsessivo?

Você é obsessivo?

Por Eduardo Fernandes.

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Tom Sachs, o handyman artista (ou vice-versa).

Todo artista é obsessivo. Aí está uma verdade inquestionável. O grande problema é que existem vários tipos de obsessão. Milhares, talvez. Mas, para fins de concisão, vamos nos concentrar em apenas dois.

Por exemplo, há artistas que descobrem “seu propósito” na vida desde jovem e continuam nele mesmo que Chernobyl exploda no quarto ao lado. Vamos chamá-los de obsessivos empreendedores (OE). Seu foco é em atingir uma meta.

Mas também há aqueles obcecados em procurar o propósito. Os eternamente insatisfeitos, viciados em recomeços, buscadores compulsivos. Eles constantemente se perguntam: “será que é isso que eu quero mesmo?” Esses seriam os obsessivos recursivos (OR), porque vivem se resetando e se reinstalando.

Em apenas cinco minutos na Internet, você encontrará defensores e críticos de cada estilo de obsessão. E dos jeitos mais diversos. De coachs a teóricos acadêmicos.

Gente como Ryan Holiday, Gary Vaynerchuk, Steve Jobs, tech bros e empresários tendem a influenciar artistas / criadores mais focados em estabelecer uma carreira na confusão do mundo digital.

Recursivos preferem escritores Românticos, defensores do sabor agridoce e incerto da vida criativa. Ou figuras como Jack Kerouac, praticantes do estilo “vivi depois escrevi”.

É certo que, pessoalmente, estou mais para OR — talvez até o ponto da autossabotagem. Mas esta é uma newsletter extremamente objetiva, não é suposto que eu dê opiniões. O que eu quero dizer é o seguinte: ambos os tipos de obsessão são ímãs de emoções aflitivas.

Explico.

OEs constantemente precisam garantir que estão no caminho certo, enfrentar inimigos e investigar sinais de sucesso e fracasso. Seus maiores medos / obstáculos: incertezas, mudanças no caminho, perda do foco, procrastinação e falta de energia.

Já os ORs sofrem de um jeito oposto. Questionam a jornada em si, entram em inúmeros desvios, trilhas e quebradas. Não querem se repetir, não suportam sentirem-se estagnados e entediados. Convivem com uma espécie de FOMO (Fear Of Missing Out) existencial crônico.

Esses dois jeitos de autotortura têm um núcleo comum: o descontentamento e, claro, seu motor mais básico, o desejo. Desejo maquínico, diria Gilles Deleuze. Esse comichão é um incômodo que nunca nos dá trégua. O desejo é o criador primordial, aquilo que sempre surge com algo novo.

Aliás, comecei falando sobre artistas, mas é claro que é possível ser OE e OR em outras áreas.

Um bom exemplo de transição é o artista plástico norte-americano Tom Sachs. Seu trabalho mais conhecido é o vídeo (e fanzine) chamado 10 Bullets, basicamente, um guia com regras para trabalhar no seu estúdio, em Nova Iorque. Sachs conseguiu transformar em arte sua mania de organização e personalidade disciplinadora.

Lembrei-me dele ontem, enquanto trabalhava na floresta, em Cazadero, Califórnia. Eu estava engajado numa tarefa completamente insana: arrancar do chão inúmeros exemplares de uma planta invasiva conhecida aqui como Scotch Broom.

Por que insana? Porque o terreno é gigantesco. Seria impossível limpá-lo manualmente. Quando você terminasse, muitas outras plantas teriam crescido novamente — até mais fortes.

No entanto, lá estávamos, quatro pessoas extraindo Scotch Brooms com puxadores individuais de arbustos. Parecia algo saído de um treinamento do filme Karatê Kid. Ou um projeto de Van Neistat, que gastou 1600 horas para datilografar um livro inteiro, só para colar numa única folha de papel.

E daí que, em algum lugar da minha mente, os dois tipos de obsessão debatiam:

— O que estou fazendo aqui? Estou procrastinando do meu propósito principal? Eu deveria estar criando alguma coisa?

— E que coisa é essa que deveria criar? Para que sirvo, afinal?

— Não, essa é uma fase de uma jornada que me levará a…

Enfim. Entende como funciona esse mecanismo? É o zumbido, o barulho branco da mente, tentando configurar narrativas.

Fui interrompido da observação da minha viagem interna pelo líder da missão Scotch Broom. Ele explicava as regras de trabalho como um Tom Sachs da floresta. Parecia um Obsessivo Empreendedor, um artista do mato.

É aí que você percebe que, no fundo, todos estamos rodando o mesmo sistema operacional. Criadores ou não.