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Você fala a língua das celebridades?

Por Eduardo Fernandes.

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O jornalista Chris Anderson, da Wired.

Em 2024, vai fazer 20 anos que Chris Anderson publicou seu primeiro artigo sobre Cauda Longa.

Naquela época, o jornalista da Wired imaginou que o consumo seria cada vez mais nichado e menos concentrado em produtos massificados.

Mas o que aconteceu foi um fenômeno muito mais estranho: a tal Cauda Longa deu ainda mais força pra cultura de massas.

Explico:

Uma comparação entre os dois modelos de cultura de massas seria algo assim:

Nos dois modelos, é necessário se associar a uma corporação – no caso de Mr. Beast, o Google. A fórmula por trás dos negócios ainda é parecida.

Um modelo de linguagem #

Na verdade, um pouco pela piada, vou chamar isso de LLMC, Large Language Model Celebrista. É um conjunto de informações e comportamentos com os quais fomos treinados ao longo do século 20, pela indústria do entretenimento e pela mídia.

Quando surgem os prompts culturais, agimos segundo o LLMC. De guerras até narrativas pessoais.

Obviamente, celebridades, comportamento de manada, busca por novidades constantes, ciclos de endeusamento e de linchamento não nasceram com Hollywood, com a TV ou com o marketing do século 20.

Porém, ao longo dos anos, esse modelo de linguagem foi ganhando um sabor muito particular de drama e de entretenimento midiático.

Então, aprendemos a pensar, falar, segregar e sonhar seguindo as lógicas e os personagens que acompanhamos na mídia.

Tudo diferente, mas igual #

Por exemplo, até há pouco, apenas alguns grupos tinham acesso privilegiado ao LLMC. Bandas de rock, artistas de cinema e TV, políticos, etc.

Nos últimos 20 anos, ele se democratizou. Influencers, YouTubers, TikTokers, CEOs, muita gente hoje tem sua própria versão de drama de celebridade.

Além disso, somos incentivados a acreditar que todos deveríamos viver sob essa lógica. Deveríamos almejar nos tornar algum tipo de celebridade. Ou até já nos sentimos como tal.

Vivemos como se estivéssemos no Show de Truman ou sendo nossos próprios paparazzo. Gerenciamos uma “carreira” on-line.

E daí surgem a polarização, os bate-bocas em redes sociais, a ideia de ter seguidores, de comparar audiências, de endeusar e de cancelar.

O ciclo do celebrismo #

Por exemplo, a jornalista do New York Times, Megan Twohey, fez um perfil assustador da codependência entre a Adidas e Kanye West.

O rapper estava, basicamente, tendo um colapso emocional em público, criando todo tipo de problemas pra si, pros colaboradores da Adidas e falando coisas perigosas em seus canais de mídia.

Mas o projeto era bilionário demais. A Adidas não conseguia simplesmente abandoná-lo. E, quando o fez, deu um jeito de também lucrar.

E isso porque os consumidores continuavam querendo comprar os produtos associados ao Kanyeverso. Estavam presos na historytelling, na controvérsia, no hype.

Esse é um bom exemplo de um nicho (sneakerheads) que se confunde com a cultura de massas. E a ponte entre eles é o LLMC.

Eu mesmo, uma vez, comprei um tênis da Nike porque fui fisgado pela colaboração celebrista da empresa com o escultor Tom Sachs — já cancelada, aliás. É ainda mais nicho, e continua LLMC.

Sam Bankman-Fried, Elon Musk e tantos outros são vendidos como gênios dropouts. Ficam trilhardários, se isolam do resto da humanidade e perdem o chão. Depois, são escorraçados pela mesma imprensa que os colocou no pedestal.

Esse é o ciclo da mídia celebrista. A obsolescência programada da fama. A manipulação via incitação das emoções aflitivas.

São histórias que não fariam feio num documentário meia-boca sobre a banda Motley Crue. Crescimento astronômico. Excessos (de drogas, dinheiro, suplementos, groupies e até de solucionismo). E, depois, uma queda ornamental.

Tudo em público. Tudo em frente às câmeras. Tudo entretenimento.

Drama, drama, drama.

O sonho do celebrismo #

O LLMC incorporou a tal Cauda Longa. E viralizou, como um sonho aparentemente acessível pra pessoas comuns. Desafio você a passar um dia inteiro sem se conectar com alguma lógica celebrista.

Especialmente porque pensamos: “comigo vai ser diferente. Serei uma celebridade controlada, do bem”. Uma celebridade de nicho.

Esse é um dos maiores paradoxos da nossa época: parecemos muito diferentes. Mas falamos a mesma língua, porque, de alguma forma, o LLMC chega até aos rincões mais remotos do planeta.

Minha intuição é a de que precisamos ser mais “poliglotas”. Falar outras linguagens além da midialização da vida. E responder a outros prompts.