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WordPress quer cuidar do seu sarcófago

Por Eduardo Fernandes.

O criador do WordPress, e CEO da Automattic, Matt Mullenweg.

A Automattic, dona do WordPress, quer cobrar US$ 38 mil (cerca de R$ 185 mil) pra hospedar o conteúdo de seus usuários por 100 anos. Parece brincadeira, mas é sério. Veja o vídeo promocional abaixo.

Pense na quantidade de formatos de arquivos e hardwares que ficaram obsoletos só nos últimos 5 anos. Ou em como as catástrofes naturais são cada vez mais frequentes – 20 minutos de tornado e adeus data center. Ou nos vazamentos de dados, ataques de hackers, guerras, etc. Hoje em dia, está difícil até pra conseguir componentes de computadores, como as GPUs.

Pelo jeito, a Automattic anda com a autoestima (e o planejamento) em dia. 100 anos de garantia é um compromisso e tanto. Essa é a confiança de quem mantém o sistema de publicação que está por trás de quase metade da Internet.

Enquanto isso, o modesto Internet Archive continua firme e forte, desviando de disputas de direitos autorais. O site já me salvou inúmeras vezes, quando não consegui achar rastros de algum material engolido pelas constantes trocas de tecnologias. É incrível que um serviço como esse ainda esteja vivo na Internet competitiva de 2023.

Mas, como diz o engenheiro de áudio, Steve Albini, os formatos analógicos são mais longevos do que os digitais. Livros, por exemplo. Até hoje você pode ler “conteúdo” escrito há milhares de anos. Sem falar do vinil, que é o ex-zumbi mais fit da atualidade.

Antes disso, a história oral, as linhagens de transmissão de conhecimento, as religiões, as artes marciais, a relação discípulo e aluno, o teatro de rua, todas essas “mídias” se mostraram muito resilientes. A maioria ainda sobrevive por baixo das modas e revoluções sociais.

Já as tecnologias contemporâneas se mostram muito mais volúveis e mutantes do que a de um simples garfo, por exemplo.

Se a questão é promover longevidade e confiabilidade, as tecnologias digitais ainda estão engatinhando. São dependentes de fatores cujas gestões são cada vez mais complexas (telecoms, energia elétrica, monopólios, legislações, etc.).

Ernie Smith, da newsletter Tedium, debate um pouco melhor o problema do legado do conteúdo publicado na Internet. Ele acredita que, se alguém for realmente capaz de manter uma biblioteca de Babel por 100 anos, isso deveria ser um serviço público. Tenho minhas dúvidas de que governos cumpririam bem esse tipo de função.

Aliás, acho difícil que um arquivamento do fluxo da Internet seja possível. Ou de qualquer fluxo da história da cultura, na verdade. Estamos condenados a montar narrativas atuais a partir de fragmentos históricos sobreviventes. Mas vai saber.

Na minha experiência, memoriabilia e tralhas do passado mais atrapalham do que ajudam. Há uma diferença muito grande entre acumulação e conhecimento.

Por enquanto, a promessa da Automattic parece um tanto prepotente. A empresa será capaz de cumpri-la? Espero que sim. Mas eu é que não vou estar aqui pra conferir.


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