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WTF, YouTube?

Por Eduardo Fernandes.

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É a hora de aplicar a lógica das queimadas controladas à mídia.

Já faz alguns dias que notei a estreia de uma nova (e sintomática) função no YouTube: contadores de estatísticas se atualizando em tempo real.

Você está lá, assistindo a algum conteúdo que, em si, já é rápido e super-estimulante. E, no canto inferior esquerdo, sua atenção é capturada por uma animação de texto.

São as estatísticas de visualização do vídeo, que agora mudam constantemente. Parecem aqueles velhos relógios de medição de consumo de energia.

Mais uma micro requisição de atenção, mais multitasking sutil. Depois que você percebe a animação, seu cérebro precisa gastar mais energia pra ignorá-la. Toda vez que o número pula, o movimento insere mais uma tarefa na sua vida.

Combine esse detalhe com as outras inúmeras micro atividades que surgem ao usar computadores. Não é de se espantar que, ao final de um dia de trabalho, estejamos esgotados.

Algumas tradições de pensamento dizem que o ambiente “externo” reflete o psicológico. Faz sentido. Como explicar que o burn out e os incêndios sejam alguns dos fenômenos mais urgentes da atualidade?

As micro tarefas se combinam ao longo do tempo e se transformam em macro problemas. E, física e mentalmente, isso surge como um momento de revolta total, de descontrole que queima, devasta e assusta.

Não consigo acreditar que os engenheiros e designers do YouTube ignorem esse fenômeno. Devem saber que, quanto mais micro requisições de atenção, maior a chance de cansar o usuário.

Portanto, se você vai adicionar alguma funcionalidade, é bom que ela seja útil, que venha pra facilitar o uso, não pra complicá-lo (ainda que num nível sutil).

Que usuário precisaria saber das mudanças de estatísticas em tempo real? Profissionais de marketing e alguns tipos de produtores de conteúdo. Mas e o resto das pessoas?

Está cada vez mais difícil defender que esse movimento em favor do burn out não seja intencional.

Na Era da TV, alguns críticos diziam que pessoas cansadas tendem a consumir conteúdo simplista, que não exige engajamento mental. É mais ou menos o que Friedrich Nietzsche chamava de “diversão dos escravos”.

Já na era da mídia on-line onipresente, o consumo migrou pra um nível mais “meta”. O conteúdo, em si, perde a importância pro ato de interagir com conteúdo, de pular de um vídeo pra outro, de rolar a página, do escapismo via movimento dos aplicativos. Mesmo que seja num contador de estatísticas.

Mas, como numa floresta, os gravetos, as folhas carregadas pelo vento, as madeiras podres, os dejetos e plantas invasivas, tudo se combina e se transforma em combustível. É só surgir o ponto certo, o clima adequado, uma pequena fagulha. Aqueles micro fenômenos se transformam num enorme incêndio. Ou completo burn out.

Como diria Cory Doctorow, é hora de aplicar a lógica das queimadas controladas à tecnologia.