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Criador fantasma

Por Eduardo Fernandes.

Dizem os físicos que todo sistema tende à entropia. Não sei se também acontece contigo, mas eu sempre acelero, complico as coisas sutilmente, até um ponto em que percebo. Então, piso no freio, reorganizo, reclassifico e simplifico minhas atividades. Até a próxima bagunça surgir.

Imagino que essa constante correção de curso seja um fenômeno bem comum. Não é muito diferente de inspirar e expirar: você coleta e armazena oxigênio, até que ele se transforma, perde sua funcionalidade inicial e pode até se tornar letal. Daí você expira. E aquele ar será utilizado por outros pontos da interdependência planetária dinâmica (um jeito hippie de dizer "árvore").

A mesma coisa acontece com produzir, consumir e organizar conhecimento. Estamos num desses momentos pré-Marie Kondo na relação com as ideias. Redescobrindo até mesmo como falar com os outros, quais pronomes usar, quais são as forças políticas que se escondem por trás das linguagens (da Cartilha até o Javascript). Tudo parece ter significado demais.

Nesse momento é que fica evidente a engenhosidade cultural de algo como os mantras: um conjunto de sons, pronunciados com certos ritmos, que trabalham diretamente com o corpo, sem a necessidade de passar pelo raciocínio, pelo significado – ainda que existam mantras passíveis de "explicação".

Mantra é um pouco como a música, no uso da repetição, da respiração e da biologia das palavras. Mas é menos vulnerável a julgamentos estéticos do tipo "gostei", "não-gostei".

É uma técnica que usa a linguagem pra revelar os limites (e, ao mesmo tempo, a mecânica) da própria linguagem. Se você faz uma longa acumulação de mantras de um jeito descuidado, pode ter de ataques de riso até insônias.

Mas, estou falando demais.

Voltando ao assunto, quando tratamos de linguagem cotidiana, geralmente caímos na lógica do ego: "por que escrevo", "o que ganho com isso", "as pessoas estão gostando ou não do que eu disse?", "pra que serve isso"?

Natural. Isso é a entropia se formando no sistema. E, ao mesmo tempo, os primeiros sinais da próxima correção de curso. É um jogo dinâmico. Responder a esse tipo de perguntas, ao mesmo tempo, é uma auto tortura / sabotagem e uma possibilidade de liberação. Entropia, Marie Kondo. Marie Kondo, entropia. Nunca é uma coisa só.

Essa é a própria mecânica da linguagem, já que ela é, em si, o choro, o desespero e o instrumento de gerenciamento diário de se estar preso nessa lógica do ego ("eu, meu, quem sou, pra que sirvo, o que prova que eu existo?"). Mas consulte seu linguista preferido. Eu só estou palpitando.

Por que toquei nesse assunto? Pra tentar responder a uma pergunta que o Rodrigo Van Kampen fez no Telegram. Lá, expliquei que decidi deixar de enviar esta newsletter também aos sábados.

Transformei o Linkofobia numa seção do site Eduf.me. As recomendações de fontes e design viraram Tipofobia. Música foi pra Playlist do Spotify. Filmes e podcasts também vão aparecer regularmente no site, com comentários.

E o Rodrigo pergunta: "vale o esforço extra"?

Financeiramente, não. Em otimização de uso do tempo, sim, porque escrevo conforme tenho tempo / vontade. Mas, fundamentalmente, o site é uma espécie de bloco de notas aberto, um digital garden, no qual experimento e faço um inventário do que anda movendo este cérebro viciado em informação.

Basicamente, quero encontrar as coisas que recomendei antes e, se necessário, reutilizar ideias que guardei. E espero que o leitor se beneficie de um ambiente mais organizado também. Ou seja: de novo, segurando a entropia.

Rainbow writing

É um exercício prazeroso? Nem sempre. Mas e daí? Hoje é divertido. Por exemplo: escrevo num programa que usa cores diferentes pra verbos, adjetivos etc. Válido pra gramática em Inglês. Em português, faz uma bagunça engraçada (screenshot acima). "Rainbow writing".

Gosto de ver a fonte que o programa usa, a fluidez da coisa toda. Ou seja: é o velho apego às palavras, o prazer de criar coisas, o prazer do processo. Já é o suficiente pra mim.

Há criadores que são orientados ao impacto e à repercussão das suas ideias. Hoje, sou mais motivado pelo nerdismo da criação. E assim vou gastando minha vida. Tomara que eu não vire algum tipo de fantasma.


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