Por Eduardo Fernandes.
Aos poucos, os ciberataques começam tomar o lugar do terrorismo “tradicional”. São grupos ou técnicas que se escondem nos pontos cegos da sociedade e que, periodicamente, submergem, causando um tremendo caos.
A fórmula do terrorismo #
- Atacar o sentimento de segurança da sociedade, revelando a fragilidade escondida no gerenciamento de serviços essenciais, como alimentação, transporte e energia.
- Manter a aura de mistério, mas, ainda assim, ser identificável. Por exemplo, os ataques à JBS foram atribuídos ao REvil. Não sabemos quem são seus integrantes, mas, de alguma forma, somos capazes de definir alguém ou um país como inimigo.
- Sentimento de urgência. Se não nos protegermos logo, mais problemas surgirão.
- Precisamos sacrificar-nos, perder liberdades, conceder poderes àqueles que se declaram responsáveis por nos defender (aplicativos, corporações, instituições do Estado).
- Esses “protetores”, de modo geral, usam ataques terroristas como momentos-chave para mudar paradigmas, implementando novas políticas de vigilância e controle.
Aterrorizados #
Ataques como o do REvil são uma espécie de subproduto de três fenômenos:
- Alienação — Com a globalização e expansão da economia, tudo fica naturalmente mais complexo e interconectado. Então, há uma disseminação cada vez mais rápida da ignorância: não sabemos de onde vem a comida, os chips dos computadores, as consequências ambientais das nossas rotinas, etc.
- Externalidades — Para sustentar a conveniência da alienação, precisamos delegar os custos e prejuízos do nosso estilo de vida para camadas menos privilegiadas da sociedade: negros, imigrantes, escravos, etc. E também para máquinas, cujo funcionamento também ignoramos. Porém, imaginamos que alguém cuidará disso.
- Monopólios — Esse alguém, de modo geral, é uma corporação ou o Estado. Consequentemente, quando estes são atacados, muitas pessoas são afetadas simultaneamente. Não é um fenômeno localizado, que atinge apenas uma pequena comunidade.
Assim, o terrorismo (digital ou não) é, essencialmente, uma doença da conveniência e do crescimento: comunidades gigantescas, muitos processos gerenciais abstratos, múltiplas camadas de alienação. Muitos pontos de fragilidade a serem explorados.
Simplesmente funciona. Só que não #
É claro: gostamos quando alguém simplesmente resolve os nossos problemas. De Deus até o entregador da Amazon. Até nos dispomos a algum nível de compromisso: pagar boletos, rezar alguns minutos por dia.
Também exercemos um papel no contrato social da conveniência: às vezes, nós somos o resolvedor dos problemas alheios. Você cuida da minha ignorância e eu da sua.
Isso deveria funcionar.
Deveria.
E funciona. Ainda assim, existem inúmeras falhas e consequências invisíveis no gerenciamento da conveniência. O tempo todo. É isso que grupos como o REvil revelam: vivemos numa frágil ilusão de eficiência. É uma espécie de transparência forçada.
E então? #
Ataques terroristas e hackings sugerem vários tipos de ajustes numa sociedade. Mas, geralmente, implementamos apenas um: colocar mais um cadeado na porta, delegar mais poder para alguém (Estado ou corporação).
Por que não investigar outras alternativas? Por exemplo:
- Diminuir o tamanho das corporações.
- Descentralizar o gerenciamento dos processos, o que traria um efeito similar ao de ter muitos motores num avião (se um falha, outro assume o trabalho).
- Adaptar processos a contextos mais adequados para cada comunidade.
- Investir em desalienação.
- Garantir a diversidade na prestação de serviços essenciais.
- Proteger a diversidade de demandas. Por exemplo, se há lobby e marketing para consumirmos as mesmas coisas, maior é o alcance dos ataques às corporações.
E ok. Paro por aqui. Estes são pontos de vista que trazem os seus próprios problemas. Essencialmente, é o clássico debate entre autogestão e controle institucional. Em outras palavras, as pessoas realmente conseguiriam se informar e implementar soluções melhores que as corporativas?
Como sempre, fica um grande não sei.
Ainda assim, eu gostaria que você saísse com, pelo menos, uma ideia desse texto: a de que delegar mais poder e criar mais pontos de alienação são soluções ilusórias. Elas geram ainda mais pontos frágeis, exploráveis por terroristas. Ou por sequestradores de dados.
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