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E se a vida fosse uma timeline?

Por Eduardo Fernandes.

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Outro dia escrevi que a vida não é uma timeline. Mas e se fosse? Resolvi investigar, começando pelo assunto mais rejeitado pelos assinantes de newsletters: sexo. Mas garanto que este será o texto menos explícito do universo. Até código em COBOL é mais quente.

Já se descadastrou?

Não?

Então vamos lá.

Você está numa festa. Começa a receber notificações no celular. Plim. A garota do fim do corredor está interessada em você. Plim. Oops, tem mais uma te olhando, à esquerda. Plim. Dez notificações não lidas. Ou você acertou no visual, ou o bar está vendendo bem demais.

A lógica aqui não é a de apps como o Tinder. Não é preciso nem “dar match”. As pessoas vão simplesmente aparecendo à sua frente, selecionadas por algum algoritmo hermético. Se você assistiu a Tom Cruise beijando Jennifer Connelly, então deve gostar de morenas com olhos claros.

Você não as conhece. Mas elas chamam sua atenção continuamente, num fluxo contínuo de notificações. E você até pode conversar com alguém, mas só por 10 segundos. Em geral, você usa apenas 5. Ou clica no like para se livrar do assunto e pular para a próxima garota.

Como todos os flertes são públicos, outras pessoas começam a ouvir e a opinar. “Piada ridícula”! “Misógino”! “Gênio!” “Mudou minha vida!”

Alguém tira uma frase sua do contexto. Você é odiado no lounge e defendido na fila do banheiro. Tentam lançar uma lata de cerveja na sua cabeça, mas o segurança bloqueia o ataque.

Mais notificações. O número de mensagens não lidas aumenta. Os números te deixam ansioso, mas você não consegue sair dali. Horas se passam.

Algo está errado. O sujeito da mesa ao lado está recebendo muito mais atenção do que você. Agora, seus números de flertes são vergonhosos. Como pode? Você supostamente é mais inteligente e divertido. Por que tão pouca gente? Por que não é possível esconder as estatísticas?

Você decide construir sua “audiência”. Faz umas micagens. Fala rápido. Segue as mesmas tendências das pessoas mais atraentes da festa. Contrata algumas modelos para fingir que estão flertando contigo. Números atraem números, dizem. Como era simples quando as pessoas apenas objetificavam umas às outras, agora é preciso comparar desempenho.

Ok. Melhor focar num nicho. Ruivas fãs de tiny houses. Começam a surgir anúncios em frente das pretendentes. Uma consome suplementos de proteína vegetal. Outra faz yoga. Aquela usa um alinhador dental transparente “revolucionário”. Você navega num mar de anúncios e notificações que causariam inveja em Philip K. Dick.

Tenta conversar com ainda mais pessoas — é preciso ter consistência. Até que, desesperado, vai até o meio do salão e grita: “Chega! Vou contar os 5 motivos pelos quais vou abandonar esta festa”. Curiosamente, isso atrai o dobro da atenção. Melhor aproveitar o momento viral e sair com a moça do vestido azul, que te escolheu há pouco.

O caminho da saída parece um corredor polonês. Mais gente grita: “misógino!”, “pervertido!”, “capacitista!”, “comunista”, “direitista”. O som das pessoas falando ao mesmo tempo é mais alto do que a música.

Aliás, o DJ não consegue tocar mais do que 2 segundos de cada faixa. Precisa trocá-las constantemente, já que a cada som, surge uma polêmica a respeito dos artistas, das letras e até sobre o passado do DJ.

Finalmente, você consegue sair da festa. E acompanhado. Chama um Uber, que cancela a corrida, por conta de um comentário que você fez aos 11 anos de idade.

Enquanto isso, a moça do vestido azul recebe milhares de outras notificações e decide abandoná-lo. O tempo é curto, o scroll é infinito. Todo mundo anda tão excitado e ocupado, que ninguém mais quer exatamente transar. Além disso, alguém pode estar filmando, não é?

(Foto de Maurício Mascaro.)