Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

Genericamente puto

Dr. Distopia: Alô? Eduf: Oi. Sou eu de novo. DD (respirando fundo): ... E: Sei que ando ligando muito fora do horário das sessões... DD (sarcástico): Que bom que você percebeu isso. Notou também que são 2 da madrugada? E: É que eu acho que estou ficando maluco. DD: De novo? E: Dessa vez é sério. Eu não consigo me lembrar mais das coisas que eu leio. DD: Ok. Não sendo boleto ou sinal de trânsito... Você vai sobreviver. E: Por exemplo, eu sei que estou puto, mas não me lembro mais a respeito do quê. Arthur do Val, Viagra para os militares, aquecimento global, guerra na Ucrânia, reforma no apartamento... Não consigo mais ligar a raiva ao motivo, entende? Quando abro um site de notícias, por exemplo, é quase como se minha visão se nublasse e tudo se tornasse uma coisa só. DD: Então o problema é estar genericamente puto, é isso? E: Sim. É. Indignado eu estou, isso é fato. Mas com o que, exatamente? Já começo a confundir as histórias e os nomes. DD: Mas não confunde…

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O Mutante estagnado

No episódio de segunda-feira do MonoEstéreo, eu fiz um resumo do livro “Como mudar: As novas pesquisas para superar desafios e transformar nosso comportamento”. E, conforme ia lendo o texto, sentia-me um tanto ridículo. Ouvir a mim mesmo listando aquelas técnicas, deixava ainda mais evidente o enorme esforço, a quantidade de tempo e de energia que gasto com essa obsessão por me transformar. Não que essa energia intervencionista seja inútil. Mas a verdade é que a mudança sempre está aí, batendo à nossa porta. Não há como deixar de mudar. A questão é atender às diversas demandas conflitantes, as diferenças entre as narrativas competindo entre si. Sou familiar, trabalhador, feliz de Instagram, esperto de Twitter, frágil de terapia etc. etc. Todas as identidades sempre pedindo ajustes e checagem de coerência. No fim do dia, parece que fomos enquadrados pela autopolícia. Abaixo a autoditadura! Será que posso descansar da plasticidade forçada? Apenas um dia na semana. Por que os livros insistem em me dizer que estou estagnado? Por que preciso de mais uma técnica para confirmar que estou me transformando do…

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Substack quer melhorar podcasts

O Substack começou a divulgar melhor a sua solução para podcasts. O texto tem aquele tom superlativo de marketing, mas não propõe nada revolucionário. A não ser que eu tenha entendido muito mal, o Substack oferece mais ou menos aquilo que muita gente já faz (eu incluso): A coisa mais cômoda do Substack é a facilidade de gerenciar publicações pagas. Mas mandar aviso de podcasts por e-mail? Não sei. A visão da empresa me parece muito voltada para consumo em desktop. Quem vai ouvir programas de áudio no celular via e-mail quando há excelentes aplicativos especializados? Uma solução realmente inovadora teria que integrar, num só aplicativo: Enfim, o Substack ainda tem que comer um pouco mais de feijão. E, considerando que a Andreessen Horowitz financia o projeto, era de se esperar um caldo um pouco mais grosso nessa cumbuca. Update - Para o ouvinte / leitor, o processo de assinar um podcast no Substack (via celular) é o seguinte: você recebe um e-mail com um link, geralmente em texto. Clicando nele, você é direcionado para o site do Substack. Escolhe…

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Sob pressão

Então agora Elon Musk é o maior acionista do Twitter. E, aparentemente, a ferramenta se conecta ao seu famoso master plan. Ao saber da notícia, meu primeiro ímpeto foi adicionar no currículo que sou funcionário dele -- o que, talvez, valorizasse meu passe. Mas a verdade é que praticamente nem uso o Twitter. Ainda assim, o interessante é que a notícia saiu praticamente logo que o fundador, Jack Dorsey, publicou o seguinte texto, no perfil dele: "o tempo da usenet, irc, da web… mesmo do e-mail (com PGP)… era fantástico. centralizar a descoberta e a identidade em empresas danificou de verdade a internet. Entendo que parte da culpa é minha, e me arrependo." De longe, parece que o Twitter está no meio de duas forças opostas: de um lado o dionisíaco, impetuoso, acelerado, Musk e, de outro, o autocrítico e pensativo Dorsey (que deixou de ser CEO da empresa faz pouco tempo). Claro, hoje em dia, é de se desconfiar de que isso seja mais uma armação. Talvez, Dorsey e Musk estejam agindo coordenadamente num mesmo teatro macho-man, que visa…

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Amor ilimitado

Faz tempo que não dou uma chance real a um novo álbum do Red Hot Chili Peppers. Mas, como era relativamente fã da banda até "One Hot Minute", resolvi ouvir o recém-lançado "Unlimited Love", disco que vem sendo bastante hypado, graças à volta do guitarrista John Frusciante. Definitivamente, é um trabalho mais consistente do que maior parte do que a banda vem entregando nos últimos anos. Traz alguns dos seus arranjos mais elaborados, com percussões, trompetes, saxofones, mudanças inesperadas de andamento e até guitarras mais pesadas, com uma pegada de anos 70. Para mim, o problema é Chad Smith. É um excelente baterista, sem dúvida. Mas não uma força criativa. De modo geral, ele apenas conduz as músicas eficientemente, mas não se arrisca e não cria grooves mais memoráveis (eu gostaria de ouvir certas linhas de baixo de Flea desenvolvidas pelos Fearless Flyers ou Thundercat). Junte isso ao estilo econômico de Antony Kieds e você tem canções que parecem ter potencial, mas que soam inacabadas. Ainda assim, a produção (Rick Rubin) e mixagem (Ryan Hewit) estão excelentes, na linha do…

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Nova rede social: Excel

Bertram Gilfoyle, o desbocado engenheiro da série Silicon Valley. Hoje aprendi que, na corporativosfera, existe algo chamado "planilha de Learned Lessons" (PLL). Se entendi direito, funciona assim: A parte mais engraçada é a de usar uma planilha. Se a vida lhe oferecer limões, vá para o Excel. E no que isso pode ser interessante? Ora, é que, evidentemente, muitos profissionais já usam esse documento para outra coisa: desabafar. Por exemplo, coisas que li numa PLL: "Aprendi que deveria ter consultado Nostradamus antes de salvar aquele arquivo", "que toda a proatividade será castigada", "que fazer bem o seu trabalho leva a ter que assumir as tarefas dos outros". Ou seja: a tabela que poderia ser um feedback da realidade, uma denúncia de falsas teorias, pode se tornar muro das lamentações. Ou... rede social. Afinal, Twitter, Instagram, Facebook, WhatsApp, Telegram, YouTube, não dão mais conta da nossa fúria. Por que deixaríamos de tomar o poder no Office? Minha tese é a de sempre: o uso contínuo das redes sociais mudou radicalmente a forma como nos comunicamos off-line. Não podemos mais simplesmente dizer:…

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Mudando o foco para a Ásia

Com a guerra na Ucrânia, a economia mundial está mudando rapidamente. Fala-se em desglobalização. A Ásia tenta se fortalecer e diminuir o controle dos EUA. Já o pessoal da Bloomberg anda de olho na China, particularmente no setor de biotech.

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Marvelização do ativismo

Existem as campanhas eleitorais. E existe isso. É a marvelização do ativismo? Será que, um dia, campanhas serão assim, voluntárias e usando esse tipo de linguagem? Estou de olho.

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Mentes bombadas

Joseph Gordon-Levitt, no papel de Travis Kalanick, fundador da Uber. Parece que a moda agora é se indignar com a vida dos barões da big tech. Os serviços de streaming começaram a despejar séries como WeCrashed, Super Pumped, Dropout, entre outras, que tratam da ascensão e queda dos polêmicos fundadores da WeWork, Uber e Theranos. De repente -- aparentemente do nada --, a indústria do entretenimento descobriu esse filão: relatar as maracutaias, injustiças e dramas por trás da cultura dos unicórnios. Como se a Netflix, Apple etc. não tivessem histórias parecidas para contar. Como lembra uma matéria na InfoMoney, o assunto já é explorado há pelo menos uma década, desde A Rede Social e, de certa forma, Silicon Valley. E a crítica aos super empresários entusiastas bombados pelo capital financeiro já é um gênero de cinema bem estabelecido, talvez desde os anos 1970. Não sei qual é o motivo por trás de lançar essas séries simultaneamente. Ainda assim, é útil que estejamos desenvolvendo algum nível de consciência do poder destrutivo dos autocratas. E não, não estou falando só de Vladmir…

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Guerra como autoconhecimento

Dr. Manhattan, o (quase) onisciente personagem de Watchmen, série em quadrinhos de Alan Moore. A guerra da Ucrânia tem me deixado meio maluco. Muitas informações conflitantes e previsões catastróficas. Para manter a sanidade, pensei em ligar para o meu psicanalista, Dr. Distopia. Mas isso seria pior. O que eu precisava mesmo era de um certo conforto, de uma massagem relaxante, algo assim. Então, decidi visitar minha terapeuta holística, Ganesha da Silva. Como sempre, ela me recebeu com incensos e óleos essenciais (que não vêm da Rússia, aparentemente). Expliquei meu problema. Ela sorriu, me pediu para deitar na maca e começou a falar, com aquele tom calmo de aplicativo de meditação. “O que a guerra na Ucrânia está dizendo sobre você? Como você vem acompanhando o conflito? Que tipo de padrões psicológicos e culturais está reproduzindo? Quais comportamentos não enxergava em si e passou a perceber agora?“ Não era exatamente para responder, apenas para refletir. Por um lado, essas questões me soavam ridículas. Um luxo, permitidas apenas para quem não tem que se arriscar, fugir para outro país, enfrentar racismo ou…

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