Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

A liga dos Socialistas Utópicos

Fourier, Owen, Saint-Simon e Cabet, A Liga dos Socialistas Utópicos. Olá, Sr. Alan Moore. Espero que esteja bem e acompanhando esta newsletter. Por que não estaria, né? Tenho uma sugestão genial para o senhor. Lembra-se de quando escreveu A Liga Extraordinária, que juntava personagens clássicos da literatura para formar uma espécie de time de super-heróis? Pois, então. Imagine o seguinte cenário: anos 2020, o planeta está passando por uma crise econômica e ambiental. Um grupo de bilionários resolve criar bunkers na Nova Zelândia, campus malucos de vidro, obstáculos para a democracia e para os direitos trabalhistas. Alguns planejam fugir para marte e nos deixar aqui para limpar a sujeira. De alguma forma, um cientista consegue ressuscitar um outro grupo de empresários, famosos no século 19. Entre eles, Charles Fourier, Henri de Saint-Simon, Etienne Cabet e Robert Owen. O filósofo Étienne de La Boétie, morto bem antes (1563), com apenas 32 anos, é a mente conspiratória por trás do grupo. Juntos, eles formam Os Socialistas Utópicos. É claro que o senhor conhece essas figuras. Fourier, por exemplo, é tido como um…

Continue →

Pensando pequeno

Imagem do vídeo "I Like it Small", do Mudhoney. Enquanto a Internet corporativa dá sinais de cansaço, surge a oportunidade de resgatar as pequenas comunidades. Supostamente, esta é uma newsletter sobre tecnologia. Mas, nas últimas semanas, não tenho tido tempo de ler notícias sobre o assunto. Hoje, quebrei o jejum. E, nossa senhora do algoritmo, o que aconteceu? Apagão no Reddit, Twitter despejado por não pagar o aluguel, sub-empregados do Mechanical Turk (em parte, responsáveis por alimentar os modelos de IA) passaram a usar a própria IA pra fingir ser humanos trabalhando em sub-empregos. Parece piada. Mas são sinais de que a Internet corporativa, baseada em empresas bilionárias, números inflados e “economia da atenção”, está começando a ruir. As engrenagens começam a ranger, ainda que estejam longe de quebrar. Talvez, em breve, o modelo cooperativista — que funciona bem em muitas áreas da economia — submerja do underground pra mostrar que o mainstream é uma ilusão insustentável. Em vez de usar produtos corporativos supostamente gratuitos pra tentar atingir fama, riqueza e crescimento infinitos, voltaremos a valorizar as comunidades. Dividir despesas, responsabilidades e lucros. Não é…

Continue →

Como a Apple se distancia da sociedade

Então, a Apple lançou seu óculos de realidade aumentada, Apple Vision Pro. Eu é que não vou perder minha vida humana preciosa criticando uma empresa zilhonária que está cagando e andando pra minha opinião. Desculpem-me pelo português shakespeariano. Ainda assim, vale a pena investigar melhor a estética da Apple. Essa que acabou influenciando praticamente todas as outras empresas de tecnologia nas últimas décadas. Por exemplo, a última versão do MacOS se chama Sonoma. É mais uma referência a locais da Califórnia. Por um acaso, vivo nesse condado. E uma das coisas mais comuns aqui são gigantescas árvores centenárias, Redwood e Madrones — minhas preferidas. Madrones são suaves ao toque. Parecem usar um desses filtros de “consertar” peles do Instagram. Seus caules são quase alaranjados, incríveis de se observar ao sol da manhã. São cobertos por uma fina camada de material que (até onde sei) pode ser usado pra combater os efeitos alérgicos que as bad-boys locais, poison oaks, causam em alguns humanos. Madrones, as dançarinas da floresta. Isso é Sonoma. A cidade, em si, tem as costumeiras casas de madeira. A vegetação…

Continue →

A vingança do metaverso

Foto de Stella Jacob, via Unsplash. Parece que o metaverso voltará aos trending topics. É esperado que a Apple lance seu headset de realidade aumentada / virtual nesta semana. E a Meta também anunciou seu Quest 3, que custará a facadatela de U$ 499,99. Será que agora a coisa vai pra frente? Analistas da imprensa de entretenimento tecnológico arriscam que o novo equipamento da Apple pode causar um impacto cultural semelhante ao do lançamento do iPhone. Ahã. Depois de meses de terremotos sucessivos de lançamentos de IA, talvez estejamos escaldados. Tudo parece marola. Há tanto discurso superlativo por aí que o preço da revolução caiu pro do reformismo. Promoção. De qualquer forma, a segunda intentona do metaverso deve vir turbinada pela IA, o que pode mudar bastante o cenário. Pelo menos, na velocidade de lançamentos de produtos. Se ficar fácil, rápido e barato produzir coisas no metaverso, talvez haja uma maior diversidade de visões surgindo por lá. Afinal, quem é que não desejaria ter uma experiência imersiva de extrema-direita, né? Terra plana em 3D? Uau. Estou zombando, mas, no mês passado, tive que rever meus…

Continue →

Nunca comprei um iPhone

Acompanhei a conversa entre Vanessa Guedes e Lalai Person sobre ser um brasileiro vivendo em outro país. Como também moro há uns quatro meses na Califórnia, resolvi palpitar sobre o assunto. Tudo começa numa história sobre meu sobrevivente, obstinado, impávido, colosso iPhone 8. Uma conhecida minha daqui, cerca de 60 anos, me perguntava como gravo meus vlogs. Respondi: com meu iPhone de botão. Com a maior inocência do planeta, ela continuou: “Interessante! Por quê? Tem algo específico nessa versão de que você gosta?” Aparentemente, nem sequer lhe passou pela cabeça o real motivo de manter o aparelho: não tenho dinheiro pra comprar outro. (Aliás, estou aceitando doações, se você quiser se livrar do seu iPhone mais novo que o meu). Minha interlocutora deve ter achado que eu era algum tipo de colecionador, arqueólogo, ou um apreciador de tecnologias vintage. Imagine a cara de espanto da mulher quando lhe contei que NUNCA comprei um smartphone. Na minha vida inteira. Quer dizer, paguei, do meu bolso, apenas por um Nokia N95, quando os dinossauros andavam entre nós. De resto, sempre herdei celulares alheios (ou,…

Continue →

Quem é que manda aqui?

Sempre fui intelectualmente arredio a chefes, porém, um tanto subserviente demais, na prática. Por dentro, Robespierre. Por fora, um serviçal, um samurai. Essa é a fórmula perfeita para criar ressentidos. E ressentimento pode se manifestar em inúmeras formas: violência, arte, ativismo, isolamento, timidez, etc. No meu caso, virei cientista político mesmo. Mais nicho ainda, estudava anarquismo. Consumia os filmes mais estranhos, as músicas mais dissonantes, os pensamentos mais desviantes e associava tudo isso à ideia de autonomia. Ingenuidade, claro. Nossa época provou que radicalidade serve a todo tipo de ideologias, incluindo as autoritárias. Aprendemos bem demais a usar qualquer ideia como ferramenta de marketing. Por exemplo, usar a palavra democracia para defender a ditadura. Essas coisas simples. Mas estou desviando do assunto, para variar. A coisa mais útil que aprendi na minha carreira foi identificar onde estão os focos de poder de uma determinada situação de trabalho. É mais complexo do que descobrir quem é o/a chefe e como ele/ela “funciona”. A ideia é detectar a estrutura de poder vigente. Por exemplo, em empresas pequenas e startups, geralmente há uma…

Continue →

O estranho humor dos anos 90

Semana passada, brinquei que iria lançar um aplicativo, o Kancelatr. Nele, citei o recente cancelamento do escultor norte-americano, Tom Sachs. Eu estava interessado no assunto por dois motivos: Sou fã da estética de Sachs. É algo que mistura tosquismo, anticonsumismo, DIY e um humor que, ao mesmo tempo, glorifica e sacaneia a ética de organização e trabalho duro da classe-média dos EUA (e de São Paulo, por extensão). Após extensa pesquisa, há cerca de um mês, comprei um par de Nike General Purpose Shoe, desenvolvido em parceria com Sachs. Obviamente, caí na operação de marketing da empresa para fisgar gente como eu, genXer, que gravitou pela cena hardcore dos anos 90. Retomo o assunto porque, logo após a Nike anunciar o fim da parceria com o escultor, os preços dos tênis triplicaram. Por sorte, não cheguei a usá-los. Então, se passarem dos U$ 500, vou revendê-los no eBay, claro. Esse é mais um exemplo do poder da history telling. Nike e Sacks capturam tiozinhos DIY como eu, que procuram durabilidade e estética menos industrial, mas não podem pagar por um produto…

Continue →

Doenças de Trabalho

Ah, o trabalho, essa coisa doentia. Queremos evitá-lo, domá-lo, encaixá-lo em todo tipo de expectativas. Queremos trabalhar pouco. Mas ainda o suficiente para sermos considerados trabalhadores. Sonhamos em trabalhar com o que amamos. Quando conseguimos, nossas paixões viram… trabalho. Se somos workaholics, há uma compensação extra: o sentimento de heroísmo, de produtividade. Porém, também há os efeitos colaterais: ego, sobrecarga, desrespeito pelos ritmos da coletividade. O workaholic é especialmente problemático quando trabalha com pessoas com tendências à culpa. Em vez de motivar a equipe, cria um clima de comparação e autodepreciação. Até mesmo de paranoia: “se eu não tiver os mesmos resultados, serei punido”. Workaholics e personalidades cafeinadas causam distúrbio em níveis sutis, eu diria até energéticos (por falta de uma palavra melhor). Ao trabalhar ao lado delas, você se sente mais ansioso e inquieto. Já as pessoas muito lentas e pacíficas causam uma sensação de congestionamento. Você quer seguir em frente, mas um caminhão carregando 40 toneladas bloqueia a passagem. Ultrapassar não é uma opção, você precisa aprender a esperar e perceber o momento certo para agir. Os evitadores de trabalho (workavoiders?) sofrem mais…

Continue →

O app que vai cuidar da sua imagem

Cansei da vida de escritor. Vou virar empreendedor. E meu primeiro negócio é um app chamado Kancelatr. E para que serve? Para revolucionar o universo, como qualquer outro aplicativo contemporâneo. Fora isso, é um detector de cancelamento. Digamos que você queira comprar o tênis Nike GPS (General Purpose Shoe). É só digitar o nome do produto numa caixa de busca do app. Ele vasculhará a Internet em busca de controvérsias atreladas ao produto. Mas não as de sempre: “o produto é durável?”, “é feito com material de qualidade?” Nem outras polêmicas menos intuitivas: “é fabricado em países com leis trabalhistas injustas?”, “polui o meio ambiente?”. Kancelatr busca coisas mais quentes, que ativam nossos sociopatas interiores. No nosso exemplo, apareceria que a Nike criou o tênis em parceria com o escultor norte-americano, Tom Sachs. E que, recentemente, a empresa encerrou a operação. É que um artigo da New York Magazine acusou Sachs de ser um patrão chiliquento, que submete seus funcionários (aspirantes a artistas) a um ambiente de fanatismo e bullying. Faz piadas de mau gosto e anda seminú no meio de…

Continue →

O deus entretenimento

O músico, produtor e youtuber, Rick Beato, publicou um desses vídeos de “previsão” irresistíveis. Parte do fato de que a IA já consegue produzir música de qualidade e até falsificar o trabalho de músicos. Beato acha que a indústria da música vai se fragmentar ainda mais: É claro que sempre haverá algum espaço para quem prefere artistas vintage ou ter a experiência de um show ao vivo. Mas a estrutura para manter esse tipo de atividade tente a ser mais cara. Além do que, cada vez mais, consumimos o artista e não a obra. Queremos nos relacionar diretamente com a pessoa, ver suas fotos, ouvir suas histórias, queremos atenção. O que também pode ser reproduzido pela IA, claro. Mas, imagino, com menor autenticidade. De qualquer forma, o mercado parece apontar para uma divisão básica: quem prioriza strorytelling, segue com os artistas vintage. Quem prefere música casualmente, tende a migrar para IA (ou nem se preocupar em quem produziu o conteúdo). À medida que IA se popularizar, haverá uma explosão ainda maior de produção de conteúdo. Humanos não darão conta disso.

Continue →