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Um ano de quarentena. Cem anos de mutação

Por Eduardo Fernandes.

Alô, aqui é Eduardo Fernandes, o ultracrepidarianista mais obstinado da internet.


Um ano de quarentena. O que um semi eremita, como eu, aprendi nesse período? Realmente, não sei. Na verdade, parece que, hoje, me conecto até mais com as pessoas do que antes da pandemia. Não exatamente interagindo com elas, mas sentindo-me parte de um certo burn out generalizado. Ou melhor: de uma “busca interior” generalizada.

Definitivamente, não acredito que possa existir algo como isolamento social – distanciamento físico é um termo mais preciso. É que o COVID-19 nos tirou dos cinemas, dos escritórios etc., mas aumentou a consciência de que a interdependência é um processo muito maior que a aproximação física.

Estar hiper multi conectado com diversos fatores mudando o tempo inteiro – esse é o nosso modo padrão. É meio assustador. Mas não há como escapar. Até a flatulência das vacas influencia no aquecimento global (e, portanto, no nosso futuro como espécie). Imagine todo o resto.

No entanto, cá estamos nós, reclamando, nas redes sociais, que estamos isolados. E de olho nas estatísticas. É um isolamento com audiência. Solidão com streaming. Parece novidade, mas antes mesmo do lockdown, já almoçávamos com amigos olhando o celular. Visitávamos restaurantes, íamos pra outros países pra tirar fotos e “compartilhar” nas redes sociais.

A pandemia só acelerou um processo que já estava bem adiantado: o do “upload das nossas consciências” pros ambientes digitais. Não precisamos mais esperar por Ray Kurzweil. Você já assistiu ao documentário sobre o live streaming na China (People’s Republic of Desire)? O que mais falta pra completar o upload?

Superamos até mesmo as (vagarosas) timelines: agora a conexão é direta. E os limites entre a produção midiática e a suposta “espontaneidade” orgânica ficam cada vez mais nublados. Não só na política. Não só nos deep fakes. Também nas maquiagens, luzes, corações e emojis voando pelas nossas telas, nos comentários incessantes.

De tanto consumir Indústria Cultural e entretenimento, internalizamos seus valores e procedimentos. Começamos na periodicidade e agora chegamos à sua consumação máxima: o live streaming (e o constante broadcasting dos nossos metadados pra alimentar as corporações).

Então, pro bem e pro mal, isso é o contrário do isolamento. É um novo padrão de interdependência. Uma transição civilizatória. Estamos no olho do furacão. Por um lado, a pulsão pela manipulação digital (“posso ser o que eu quiser, quando quiser”). Por outro, o aquecimento global nos lembra da nossa condição orgânica e frágil.

Essa fadiga que alguns de nós sentimos é um pouco como aquela cena do filme A Mosca, de David Cronemberg: estamos na frente do espelho, vendo as unhas caírem, corpo e mente mudarem. Tudo parece estranho. E bizarramente atraente. “No que vou me transformar?” O que significa ser outra coisa?

Por isso, um ano de quarentena parece equivaler a cem anos de mutação.


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Duas visões sobre o Estado empreendedor. E uma terceira, de bônus, com Mariana Mazzucato.


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