Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

Trabalho Sujo

Em 2020, o jornalista Alexandre Matias me contratou para reestruturar e redesenhar seu tradicional site de crítica cultural. Ele vem sendo gerenciado via Wordpress há 10 anos. O conteúdo tinha códigos muito velhos e com buracos de segurança. Estava hospedado num servidor igualmente desatualizado. Assim, antes mesmo de começar a desenvolver uma nova identidade para o Trabalho Sujo, foi necessário limpá-lo. Quer dizer: migrar dados, otimizá-los e recategorizar todo o material, pensando em SEO e em como prepará-lo para ser consumido no futuro. Matias também queria facilitar ao máximo o fluxo de publicação e distribuição nas redes sociais. Investiguei seu processo criativo e, a seguir, instalei plugins e soluções customizadas que atendessem suas demandas. O jornalista também queria retomar o visual de blogs dos anos 2000. Assim, desenvolvi um tema personalizado, além do novo logo, mais simples e legível em diversas resoluções. Visite o Trabalho Sujo.

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O espírito do rádio

Não sei porquê, mas, nas últimas semanas, estou ainda mais fã da WFMU, uma minúscula rádio pública de Nova Jersey, EUA. Dá pra acessa-la via site ou aplicativos como o Tune In. Honestamente, é a típica emissora pra quarentões. Enfim… gente como eu. Colecionadores de vinil, quadrinhos underground, fãs de filmes B ou indies europeus e que cresceu cultuando algum tipo de contracultura. Pessoas que têm alguma nostalgia do começo da internet – e até do ethos do Geocities. A programação passa por raridades do rock e funk dos anos 70, colagens e improvisações psicodélicas em áudio, até programas sobre tecnologia. Parte do material também está disponível como podcast. Mais do que a programação em si, o "ambiente cultural" da WFMU atinge o cerne da minha formação intelectual: essa vontade de descobrir algo diferente, que seja meio de nicho e experimental. O amor pelo vira-latismo. De certa forma, essa é uma base perigosamente parecida com aquela que pode levar uma pessoa a acreditar em coisas horripilantes, como as conspirações de extrema direita da QAnon. Por sorte, no rádio, meus "professores"…

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A voz de Stanley Kubrick

Olá, espero que você esteja bem. Provavelmente, você já sabe que, em 2020, a Mostra Internacional de Cinema de SP também migrou pra Internet. É possível alugar filmes por R$ 6. E aí você tem até 3 dias pra assisti-los. Nos meus tempos de jornalista em SP, eu costumava cobrir a Mostra. Assistia a cerca de 6 filmes por dia e escrevia sobre eles à noite. Neste ano, por enquanto, só tive tempo de ver Kubrick por Kubrick, do diretor francês Gregory Monro. O documentário traz o áudio de raríssimas entrevistas de Kubrick pro crítico Michel Ciment, um dos poucos jornalistas a ter acesso a ele. Tudo montado com animações de 2001 - Uma Odisséia no Espaço, que dialogam com imagens de bastidores dos clássicos do diretor norte-americano. E, claro: há também os costumeiros depoimentos de atores sobre o estilo obsessivo, meticuloso e ditatorial de Kubrick. Na boa, o filme não acrescenta muito ao mito. Mas ouvir Kubrick refletindo sobre o próprio trabalho sugere uma humildade que muitas vezes é negada ao seu personagem. No documentário, pasme, Kubrick parece bem…

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Sucesso pode ser o começo do fracasso

Mexeram com meu brinquedo de estimação, o Youtube-dl. 😡 /* explicação técnica */ É uma ferramenta de linha de comando que permite baixar (e converter) vídeos do YouTube. Uso diariamente, assim como muitos jornalistas, em várias partes do mundo. A RIAA, entidade protetora de copyright norte-americana, pressionou o GitHub pra tirar o repositório do ar. Minutos depois, os arquivos reapareceram em inúmeros outros locais. Um desenvolvedor até criou um script que republica o repositório automaticamente, a cada X minutos. /* fim da explicação técnica, voltamos à programação normal. /* Corta pros famosos "strikes de copyright" do YouTube. É o terror dos YouTubers. Deveriam até usar como fantasia no próximo Halloween. Os algorítimos vasculham e censuram os vídeos que, supostamente, usam material proprietário sem permissão. Três strikes e o produtor de conteúdo perde seu canal, podendo até mesmo ser impedido de criar outro. O mais interessante é que alguns YouTubers já usam os strikes como arma pra derrubar os concorrentes e/ou opositores. Depois de Street Fighter, temos Strike Fight. Também é comum você começar a assistir a um vídeo-ensaio e, de…

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Dia de pensar como músico

Olá, espero que você esteja bem. Hoje bateu uma saudade monstro do Mano Negra. Formada por Manu Chao, na França, a banda misturava rockabilly com reggae, ska, punk, funk, polca e música árabe. Vi um show dela em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, nos anos 90 (acho). Nunca mais me esqueci. Por sorte, há muito material do Mano Negra no YouTube. Acabei assistindo ao Tournée Générale. É uma das coisas menos "isolamento social" já filmada. Os shows são exatamente como os da minha memória: The Clash super cafeinado. No palco e fora dele, há gente pulando freneticamente por todos os cantos, se beijando, empurrando, suando, numa mega celebração. Ainda que eu seja mais do tipo show do Flaming Lips em 2020 do que carnaval na Bahia, mais caverna do que sambódromo, sempre me impressiono ao notar como a música me manipula, ao longo da minha vida. Será que eu seria até mesmo budista se não fosse pela musicalidade de certas cerimônias? Será que estaria aqui, escrevendo pra vocês, se não tivesse sido atraído pelo jornalismo que cobria soul e…

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Mochileiro da imperfeição

Olá, como você está? Acordei pensando em Andrei Rublev, filme do Andrei Tarkovsky sobre o pintor de catedrais ortodoxas na Rússia do século 15. … Ainda está aí? Deixe-me provocá-lo um pouco mais. Se você não assistiu, saiba que: É um filme em preto e branco. De 1966. Tem três horas de duração (na versão Criterion, que é livre da censura do governo soviético). Fala sobre pessoas questionando seus valores éticos e religiosos, sobre hipocrisia, competitividade entre amigos, sobre criar (e destruir) arte num momento de ditaduras, violência e extrema pobreza. Também é um profundo comentário sobre o que é viver em comunidade. Sobre desenvolver confiança nos seus pares e estar presente quando as coisas vão mal (ou, no caso, quando o sino não funciona). Ah… Tem muita neve, um culto pagão e termina com a invasão dos Tártaros na Rússia. Um filmaço pra relaxar da pandemia. … Continua comigo? Estou brincando. Na verdade, se você aguenta minhas micagens on-line, tenho certeza de que não deve se assustar com experiências cinematográficas intensas. Ainda mais as propostas por Tarkovsky. Mas por…

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A arte de dizer não. E de dizer sim

Alô, espero que você esteja bem. Sem querer soar a autoajuda, mas já soando, hoje eu queria falar sobre a arte de dizer não. Talvez, como eu, você também seja do tipo "people pleaser", gente que sempre tenta agradar os outros e evita, a todo custo, estar na posição daquele que frustra expectativas. Esse hábito pode ser a receita pro desastre. Primeiro porque acaba nos sobrecarregando de tal forma, que produz a síndrome da rosca espanada, quando você tenta, tenta, mas não consegue mais atender as demandas dos outros. Você perde a responsividade. Acha que ainda entende a comunicação dos outros, mas está muito autocentrado pra sequer assimilar o que lhe foi pedido. Segundo, porque podemos nos tornar uma bolha de ressentimento e, então, começamos a cobrar taxas pelos nossos “sims”. Fazemos o que a pessoa pede, mas queremos que ela perceba, que agradeça (de certa forma, se humilhe) ou até que sinta culpa por nos torturar com seus pedidos. Isso deve ser particularmente difícil ao criar filhos - por conta da velocidade de toda situação. Crianças precisam de muitas…

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Tudo virou programa de TV

Aqui, enquanto escrevo, ouço o som da tempestade, que esconde a Serra Gaúcha num tom #D3D3D3. É impossível enxergar as montanhas. Há apenas 10 minutos, elas pareciam ser uma verdade definitiva e imutável. Se você olhasse fixamente, por um bom tempo, o cenário gradativamente se tornaria meio irreal, como numa pintura. Mas, ainda assim, seria difícil imaginar que a Serra sumiria da sua visão tão rapidamente. Nascido e criado em São Paulo, sempre ouvia falar sobre a característica cinzenta da cidade. Mas, lá, nunca conseguia encontrar essa uniformidade tonal: o concreto sempre estava pintado de outras cores, a fuligem da poluição mudava de cor diversas vezes ao longo do dia. Já na Serra, quando o cinza aparece, ah, ele se faz perceber. Seja quando ele vem calmamente, quase Norueguês, na neblina #CCCCCC, seja quando ele aparece acompanhado de sons ameaçadores e #808080. Cedo ou tarde, as nuvens se dissipam em #196f3d, #5dade2 etc. Voltar ao verde demora. Escondê-lo é um processo rápido. Já, nos EUA, as certezas se dissolvem em #FF7F50. Em vez de água, chamas. Em minutos, tudo muda.

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Sem fugir do caos

Olá, Tudo bem? Nesta semana, assisti a "Matthias & Maxime", o premiado filme de 2019 de Xavier Dolan (está no Mubi). A história mostra dois amigos de infância. Ambos têm por volta de 20 e poucos anos e estão começando a consolidar suas identidades como adultos. Mas o cenário em que isso acontece é bem diferente pra cada um deles. Matt é um advogado vindo de uma família de classe média. Confronta-se com o tédio e ressentimento de ter que começar num trabalho cheio de hipocrisia e valores duvidosos. E, aqui, Nolan se mostra um cineasta com um senso de humor sensível e interessante. Um dos primeiros trabalhos de Matt é acompanhar (e entreter) um outro jovem advogado, norte-americano, em visita profissional ao Canadá. Os dois vivem em universos psicológicos paralelos: Matt é introspectivo e está no meio daquele processo no qual a pessoa não consegue parar de se comparar aos outros, em busca de sua própria identidade. O visitante é agressivo, acelerado, hedonista e cheio de autoconfiança. Matt desenvolve um misto de fascinação e asco por ele. E percebemos…

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Conheça a si mesmo. Só que não

Vocês assistiram ao evento da Apple ontem? Um dos focos da empresa foi transformar o Apple Watch numa ferramenta ainda mais poderosa de "auto-vigilância" (self-tracking). Mas, espere: este não será outro texto reclamando de como as empresas de tecnologia estão invadindo nossa privacidade. Vamos conversar sobre outra coisa: nossa atual obsessão em medir a nós mesmos, a nos colocar em números e gráficos. O ditado atribuído ao deus Apolo "conhece a ti mesmo", ou o significado da frase "conhecer-se é esquecer de si", ligada ao Zen Budismo, essas coisas parecem ser radicalmente diferentes do self-tracking. Num primeiro momento, ambas são baseadas na ideia de navegar pela vida com menos turbulências, de domar as incertezas. Pra explicar de uma maneira bem simplista, o objetivo inicial (enfatizo: inicial) é evitar meter a si mesmo e os outros em encrencas. Porém, há uma diferença fundamental aqui. Explico. 1. Autoconhecimento é auto-corrosivo Quanto mais nos conhecemos, menos somos capazes de garantir "isso sou eu". Percebemos que somos um conjunto de padrões biológicos e sociais complexos, que mal conseguem se manter conectados. É como se…

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