Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

Método Pelé de Subjetividade

Reciclando um texto foi originalmente publicado em 2013, em homenagem a Edson Arantes do Nascimento, que faleceu hoje. Outro dia, fui engolido por um desses vórtex de clickbaits e aterrizei numa entrevista de Paulo Miklos. Veja só. Lá pelas tantas, o entrevistador meio que pediu satisfações ao ex (ou atual) cantor do Titãs por usar o plural para falar sobre si. O jornalista não se aguentou. Tinha que haver uma explicação, já que a prática não é, exatamente, aceita nos manuais de redação. Resposta de Miklos: “É mesmo? Falo no plural? Nem reparei”. Dias depois, uma amiga me perguntou onde encontrar um artigo que escrevi há um tempo. Brincando, perguntei: “ah, esqueça. É só um daqueles textos sem sentido do eduf”. Ela retrucou: “você sempre fala de si na terceira pessoa?” Tive um Momento Miklos: “é mesmo? E não pode?” Mas também percebi um trending topic. Além de uma linhagem de revolucionários da primeira pessoa, cujo maior expoente era, obviamente, Edson Arantes do Nascimento. Pelé pode ter sido um jogador lendário. Mas, no futuro (pelo menos para mim), será lembrado…

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Batedores de atenção

Maria Popova, a blogueira púcaro búlgara veterana, do The Marginalian. Pelo menos na minha bolha de produtores de conteúdo, há um consenso: todos querem que 2023 seja um ano tedioso, se comparado com o ritmo anfetamínico dos últimos quatro. Ahã. Passado o recesso de fim e ano, é provável que continuaremos prestando atenção nos mesmos personagens, seguindo a mesma dieta de (des)informação, visitando os mesmos sites, usando aqueles aplicativos e sonhando com a chegada do Grande Dia do Alívio. Dessa vez vai: fazer as mesmas coisas causará resultados diferentes. Sempre pode acontecer que o AWS caia mundialmente e sejamos forçados a mudar de rotina. (AWS significa Amazon Web Services, infra-estrutura por trás de muitos serviços que usamos.) Mas é mais prático investir em novos hábitos. Por exemplo, em vez de gastar praticamente todo tempo criticando o que há de errado na tecnologia, buscar mais alternativas. Um pouco como Mark Hurst, do Techtonic, tenta fazer, buscando pessoas e ideias inspiradoras. Especialmente, o plano é evitar ser atacado pelos batedores de atenção. Quer dizer, os trombadinhas midiáticos. Aqueles que aproveitam nossos espaços cognitivos confusos para…

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Um ChatGPT para chamar de meu

Agora há pouco, lia uma popular newsletter brasileira. Como de praxe, trazia uma crônica meio melancólica, estetizando o sofrimento da pessoa autora por meio de referências cinematográficas e um tom agridoce. Como estou naquele típico mau-humor de quem dormiu pouco, impliquei o com o texto. Na minha cabeça rabugenta, começou a surgir uma tese nublada. Sabe aquelas ideias ainda em estado de formação? Você sente seu cheiro, mas nada está definido. Normalmente, ignoro a maioria delas. Mas resolvi jogar essa no ChatGPT, programa hypado de inteligência artificial, e ver o que acontecia. Então, segue-se meu prompt, em inglês, contendo minha proto-ideia. Write 10 paragraphs in Brazilian Portuguese about how the constant consuming of movies and North American pop culture has developed a new disease, which is a constant melancholy. It seems that people see themselves as characters of a movie and try to attach aesthetics to their own suffering, trying to make it more beautiful, stylish and dramatic. E o texto do GPT, sem qualquer edição. O constante consumo de filmes e cultura pop norte-americana tem desenvolvido uma nova doença,…

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Quando tudo vira franquia

E se Alejandro Jodorowski tivesse dirigido Tron? Na semana passada, talvez você tenha visto imagens especulando como seria o filme Tron (1982), se fosse concebido pelo cineasta Alejandro Jodorowski. O material foi criado pelo fotógrafo Rob Sheridan, que aproveitou seu momento no holofote para criar outras paródias, igualmente interessantes. A "novidade" aqui é que Sheridan usou programas de inteligência artificial para desenhar as cenas. Isso deixa (ainda mais) claro que entramos numa nova fase da prática da dissolução da autoria, a fase da automatização. Desde o século passado, autores como Roland Bartes, entre muitos outros, nos informam que as obras podem ir muito além das intenções e até do contexto social de seus autores. Na época da machine learning, os criadores foram ainda mais dessacralizados: assim como todos nós, cumprem a "função" de ser mais um veículo pelo qual padrões são detectados e reproduzidos. Para entender o que quero dizer, é preciso, antes, reconhecer algumas das práticas de autoria fluida da nossa época. Assim, o que Rob Sheridan e alguns outros canais do YouTube fazem é processamento de dados. Human machine learning. Descobrem padrões. A seguir, tentam repeti-los e…

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Smart newsletter

Maxwell Smart, da série Agente 86, consultando seu smart watch. Contratos, telefones, roupas, parece que, hoje em dia, tudo precisa ser “smart”. Daí que, nessa semana, pensei em escrever sobre a nossa atual obsessão com essa palavra. Em que contexto ela começou a ser usada? Quando foi atrelada a produtos e tecnologias? Para evocar o espírito do absurdo, eu citaria a clássica série de TV Agente 86 (“Get Smart”, em inglês), dos anos 1960. Era uma paródia dos filmes de espionagem. O protagonista chamava-se Maxwell Smart. E, de James Bond, só tinha a autoconfiança. Na prática, era um tapado, tentando desvendar mistérios e usar gadgets estranhos, como um telefone-sapato. Daí, aconteceu a Internet. Alguém foi mais smart que eu e escreveu o texto dois anos antes. Mas, enfim, sobre a palavra, em si, teria surgido do alemão, “smarta”, “doloroso” — há cerca de 2 mil anos. No Inglês antigo, há registros de “smeart”, que seria algo como “ferramenta afiada que causa dor”. A partir de 1300, ganhou uma conotação paralela: coisa ou pessoa rápida e ativa. Só em meados do…

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Criador estilo Ramones ou Beatles?

Hey, ho. Let’s go. Strawberry fields forever. 😮 Afe! O que aconteceu? O que a Texto Sobre Tela está fazendo no Substack? Já respondo. Antes, vamos dar umas voltas. Em relação à prática diária da criatividade, há (basicamente) duas atitudes: Beatles - Reinventar-se constantemente. Procurar novas fronteiras. Abandonar as anteriores. É uma postura, digamos, mais revolucionária. Ramones - Reformar uma fórmula ao longo dos anos. Aplicar mudanças com muita parcimônia. Recentemente, descobri uma terceira: você deseja ser (ou acha que é) Beatles. Mas, na prática, é Ramones. Consciente ou inconscientemente, alimenta essa inquietude, curiosidade e desejo por mudança. Porém, os hábitos e a correria do cotidiano levam-no ao reformismo. É mais ou menos o que acontece comigo. Esse não é (necessariamente) um julgamento de valor. São atitudes diferentes, com seus pros e contras. O interessante é notar esse estado intermediário entre o desejo e a prática. Ele pode levá-lo a certa ansiedade (“desequilíbrio nos ventos”, diriam alguns budistas). E daí você sai trocando os móveis da casa, muda de visual e até… migra de plataforma. Escrever (mesmo que sobre tecnologia) é um estado…

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A grande oportunidade

Sam Bankman-Fried, da FTX, o mais recente caso de herói da tecnologia que caiu do trono. Essa frase vai soar estranha, mas lá vai: estou (relativamente) otimista com o atual cenário da tecnologia. Como assim? A eleição no Brasil foi um estresse infinito por conta da manipulação nos aplicativos de mensagem. Supostamente, Elon Musk está destruindo o Twitter. Demissões em massa se proliferam na big tech. FTX implode, abalando ainda mais o mercado de criptomoedas. E por aí vai. Como acreditar que esse copo de chorume está meio cheio? Não é que eu queira bancar o aceleracionista. Mas, já que a destruição está em curso, melhor usá-la a favor. Quer dizer: abraçar a oportunidade de, finalmente, entender a fragilidade dos paradigmas que sustentaram a implementação não só da Big Tech, mas de toda a cultura em torno da tecnologia nas últimas décadas. Mais do que nunca, está claro que: A narrativa dos gênios individuais inovadores é uma falácia. Steve Jobs, Elon Musk, Bill Gates, Vitalik Buterin, Sam Bankman-Fried, entre tantos outros, dependeram de muitos fatores e pessoas para desenvolver suas…

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Hedonismo tecnológico

Cena do filme Pi, de 1998. Imagino que você já tenha se pegado pulando de uma tecnologia para a outra, mudando de sistemas operacionais, de aplicativos, de procedimentos de trabalho. Ou configurando, vendo tutoriais, "testando" novidades. Horas e horas procurando o software e a experiência de usuário perfeita. É uma espécie de prazer misturado com dor. É angustiante, mas você não larga. Quer resolver o assunto. Thriller tech. Ou um jogo. Você tenta deduzir as regras (sem ler os manuais). Depois, desvenda a narrativa daquela tecnologia, que história ela conta -- que nem sempre é a mesma que a empresa fabricante tenta lhe vender. Passamos por fases, vencemos desafios, enfrentamos "chefes". Aos poucos, participamos de uma construção de mundo. De alguma forma, é um micro exercício de consumo de ficção. O Twitter tem uma "twiteridade", o Substack, uma "substaquesidade" e por aí vai. Se Madame Bovary usava romances como escapismo, nós também usamos UX (User Experience) para, supostamente, fugir de certas partes das nossas mentes. Ocupar-se para não ser ocupado pelas mumunhas da nossa personalidade. Mas elas ainda se manifestam…

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Mefisto Digital

Versão resumida de uma oficina que eu apresentei no evento O Texto & O Tempo, em novembro de 2022.

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É bom ser o rei

Cena do filme A História do Mundo, Parte 1. Dia desses, um amigo me encaminhou o seguinte tweet do investidor Chris Sacca: Um dos maiores riscos da riqueza / poder é não ter mais ninguém ao seu redor que possa revidar, dar feedback sincero, sugerir alternativas ou simplesmente dizer que você está errado. Uma visão de mundo cada vez menor combinada com isolamento intelectual leva a merdas sem-noção. O bilionário afirma que seu comentário refere-se a Elon Musk, claro. Mas também a si mesmo. Tadinho, ninguém para corrigi-lo. Num primeiro momento, meu reflexo foi concordar. Afinal, quando você assume posições de poder / riqueza / fama, tende a se "embolhar", a cercar-se apenas de puxa sacos e de todo tipo de falsos-amigos. E isso pode levar a uma certa onipotência, no estilo "é bom ser o rei", do clássico filme A História do Mundo - Parte 1, de Mel Brooks. Porém, o próprio tweet de Sacca parece ser uma visão obstruída pelo privilégio. É tipo soberba humilde -- lembrando que minha crítica aqui é para a lógica cognitiva e não…

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