Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

Bastidores do entretenimento

Esta é a última newsletter do ano. Imagino que você, como eu, já esteja cansado de notícias sobre política e tecnologia. Então, nesta edição, vou fazer apenas duas recomendações de filmes sobre música. Tenho evitado transformar a Texto Sobre Tela num "espaço de curadoria" e enfatizado a reflexão, mas já passou da hora de lhe dar um descanso do meu particular campo de distorção da realidade. Aperte os cintos. No pós-Segunda Guerra Mundial, houve uma das maiores revoluções culturais que esse planeta já hospedou. Em algumas décadas, consolidou-se todo um sistema de identidade baseado em valores como o consumismo, o sonho (norte) americano, a liberdade individualista, a validação extrema da conveniência e do entretenimento. Se você acabou de fazer as compras de Natal no supermercado e saiu cheio de sacos plásticos, comida processada, vindas de marcas monopolistas, sabe de que revolução estou falando. É fato que o cinema e, depois, a TV tiveram um enorme papel na difusão desse novo padrão civilizatório. Mas a música foi ainda mais importante nesse processo. Especialmente aquela que, mais tarde, seria conhecida como "pop".

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Um Uber para alugar amigos

O que eu tenho a ver com isso, meu? Outro dia, por acaso, encontrei, um conhecido que não via há 25 anos. Pudera: nesse tempo, ele se tornou milionário, e eu, bem, eu pensei em comprar um “pedacinho” do Nubank. Para facilitar nossa comunicação, vamos chamar essa pessoa de Buddy Rich. No processo de subir de vida, ele perdeu os amigos. É que, agora, suas diversões são muito caras e os velhos companheiros não têm como acompanhá-lo, a não ser que ele pague a conta. Naturalmente, Rich desconfia que as pessoas passaram a gostar mais do seu dinheiro do que da sua companhia. Pior: ele não consegue se identificar com os integrantes da sua nova classe social. Até antes da pandemia, Rich estava tão focado em crescer sua fortuna que não teve tempo de sentir-se solitário. Mas a doença do burn out também viralizou e, enfim, chegou até ele. Só agora, percebeu que vive sozinho num triplex no Rio de Janeiro e que os serviços de streaming não fazem mais efeito. Provavelmente, eu é que estou desinformado, mas parece que…

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Não é irônico?

Posso dizer que tenho pelo menos uma coisa em comum com David Foster Wallace: a apreciação por Alanis Morissette (ah, vai dizer que você não assistiu ao filme sobre ele). Pois a cantora canadense acaba de realizar o sonho do documentário próprio. Chama-se Jagged e foi dirigido por Alison Klayman para a HBO. Quem é que, nos anos 90, não levantou pelo menos uma sobrancelha ao ouvir a música que colocou Alanis no mapa, “You Outta Know”? Era uma faixa pop, bastante comum até. Porém, a letra e a interpretação vocal eram raivosas. Alanis, então com apenas 19 anos, se vingava (ornamentalmente) de um pé-na-bunda. Não que o cenário cultural da época fosse bucólico: a bolha grunge estava repleta de temas muito mais pesados e de violência, falava abertamente sobre junkies, perdedores e suicidas. A MTV exibia vinhetas de Bill Plympton, Garoto Enxaqueca e Liquid Television, produtos que aprofundavam ainda mais o escárnio de personagens como Max Headroom (1985 - 1988). Porém, Alanis era branca, bonita, articulada, um tanto frágil e jovem. Assim, causou um impacto ‘suave’, por meio de…

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O mundo infantil de Larry David

Irasshaimase! Larry David é o meu comediante favorito. O melhor? O mais importante? Não sei. Sou enviesado demais para julgá-lo, afinal, ele co-escreveu Seinfeld, que foi importante durante minha adolescência. Não perco um episódio da série Curb Your Enthusiasm desde sua estreia, há mais de 10 anos. A 11ª temporada não traz nada novo, mas mantém o nível das outras. Apenas dá um pouco mais de ênfase às dificuldades em se adaptar à cultura woke. Como seria diferente? Larry David é o personagem perfeito para mostrar as contradições de um mundo em mudança discursiva: sempre está ofendendo alguém, voluntária ou involuntariamente. Porém, até onde sei, o que ninguém percebeu ainda é que Curb é o melhor programa infantil desde Peanuts. Como assim? Infantil? Exato. Mas não no sentido de "vou assistir com meus filhos", estilo Frozen. Peanuts mostrava que o mundo das crianças era, de alguma forma, parecido com o dos adultos: crises, depressão, a ansiedade da busca por uma identidade (até profissional), amores platônicos, desejos obsessivos, etc. Já Curb, mostra como o mundo dos adultos é "infantil". Praticamente todos…

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Afinal, a culpa não foi da Yoko

Nesta semana também fui afetado pela gentrificação dos reality shows promovida pelo diretor Peter Jackson. Em outras palavras, se me achava esnobe demais para o BBB, não resisti a assistir (e comentar copiosamente) o documentário Get Back, sobre os Beatles. Claro: também gastei tempo interpretando os comportamentos “separatistas” de George Harison, me comovendo com o jeito mandão-inseguro de Paul McCartney e admirando a postura profissional good vibes de John Lennon e Ringo Starr. Como é costumeiro na época dos BBBs, a Internet fervilhou com palpites psicológicos sem muito fundamento. Os meus valem nem 10 centavos. Mas meu assunto aqui é outro. É que, por estranho que pareça, a situação dos Beatles no documentário é semelhante à de um sprint nas empresas de tecnologia. Sprint é um período curto, intenso e imersivo de trabalho, em que uma equipe tem um produto específico para entregar. E rapidamente. Os participantes vivem numa mistura entre cansaço absoluto e motivação messiânica para “resolver um problema”. Supõe-se que você se sinta completamente motivado, até orgulhoso, de estar ali. O sprint é um dos fenômenos mais sintomáticos…

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Autoajuda caótica

O escritor marombeiro Nassim Nicholas Taleb. Já faz alguns meses que o ensaísta libanês Nassim Nicholas Taleb vem me assombrando. Comecei a ler seu Antifrágil - Coisas que se beneficiam com o caos por pura curiosidade e desejo de entender como alguém faz sucesso literário internacional tratando de assuntos tão controversos e impopulares. Ok. Existe algo chamado marketing. Entendo. Porém, Taleb está há mais de 20 anos falando sobre a futilidade de tentar prever o futuro, sobre como a busca de poder econômico e riqueza é uma autossabotagem, sobre como tentar corrigir uma situação é a melhor forma de piorá-la e sobre como dependemos de agentes estressores para sobreviver. Não é interessante que esse tipo de discurso tenha parado nas sessões de autoajuda das livrarias? De certa forma, Taleb pega carona numa tradição muito antiga, cuja origem é o próprio Buda e passa por grandes mestres indianos como Shantideva e Aryadeva: a de analisar o sofrimento imanente à vida e perceber que, de certa forma, ele nos guia e influencia, de maneira complexa. É preciso questionar tanto o conceito de…

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Jabá: ebooks na Semana Black Fiday

A Lógica do Cisne Negro - Revisto e Ampliado - Nassim Nicholas Taleb Crônica do Pássaro de Corda - Haruki Murakami Fahrenheit 451 - Ray Bradbury Eu, Robô - Isaac Asimov Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico - Wladimir Safatle Introdução a Jacques Lacan - Wladimir Safatle O Alienista - Machado de Assis Lacan ainda: Testemunho de uma análise - Betty Milan (Review aqui.) Cartas a um jovem terapeuta: Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos - Contargo Calligaris O mito de Sísifo - Albert Camus Diários: 1909-1923 - Franz Kafka Sem lama não há lotus: A arte de transformar o sofrimento - Thich Nhat Hanh A ciência da meditação: Como transformar o cérebro, a mente e o corpo - Daniel Goleman Ressurreição - Liev Tolstói Pais e filhos - Ivan Turguêniev Ficções - Jorge Luis Borges O mistério do 5 estrelas - Marcos Rey (lembra da Coleção Vagalume? Provavelmente um dos primeiros livros que li, quando criança.) O que é fascismo?: E outros ensaios - George Orwell Crônicas Marcianas - Ray Bradbury Ponto de virada: O que faz uma pessoa…

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Um influencer invisível

Recentemente, soubemos que a clássica série de quadrinhos The Incal, de Moebius e Alejandro Jodorowsky, deve ser adaptada ao cinema pelo diretor e comediante Taika Waititi. A notícia, cuidadosamente divulgada na época do lançamento de Duna, soou como um acerto de contas do destino. É que Jodorowsky ficou famoso por ter sido impedido de levar o livro de Frank Herbert às telas. O projeto era tão inventivo e megalomaníaco (tipo contratar Salvador Dalí como ator) que deu com os burros na areia. Não conseguiu financiamento. Ainda assim, mudou a história do entretenimento. Jodorowsky montou um dream team de criadores para reimaginar o universo de Duna. O resultado do trabalho foi ajambrado num livro contendo roteiro, conceitos e storyboards, que circulou pelos estúdios da eṕoca. Os executivos negaram o dinheiro, mas roubaram as ideias, que foram usadas em quase todo o cinema de ficção científica que se produziu dali em diante. Frustrado, Jodorowsky resolveu se juntar novamente a Moebius e usar parte das ideias de Duna para um álbum em quadrinhos, entitulado The Incal. O projeto fez tanto sucesso que se…

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