Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

Quebrando o banco

Fila para sacar dinheiro do Silicon Valley Bank, após o anúncio do colapso do banco. As placas tectônicas da indústria da tecnologia estão se movendo. Além das sucessivas demissões em massa dos últimos meses, um choque ainda maior acaba de acontecer. Em apenas dois dias, um dos bancos mais importantes da área, o Silicon Valley Bank, entrou em colapso. De repente, alguns dos principais investidores norte-americanos não conseguem mais mover dinheiro para suas start-ups. Cartões de crédito (até de empresas como a Vox Media) simplesmente pararam de funcionar. E o pânico se espalha rapidamente entre os clientes de outros bancos. Muitos fogem para instituições mais monolíticas como o J.P. Morgan. Sim, eu sei que esse é um assunto chato e que você não assinou a newsletter da Bloomberg. Mas eu queria chamar atenção para uma coisa: como nosso sistema de “sobrevivência tecnológica” é frágil. É incrível que confiemos em algo tão instável. Banco colapsa, muda o CEO e derruba o aplicativo, aparece o ChatGPT e muda as regras, vazam dados, neonazis são desmascarados, etc., etc. Ainda assim, continuamos entusiasmados com novos aplicativos,…

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Você é obsessivo?

Tom Sachs, o handyman artista (ou vice-versa). Todo artista é obsessivo. Aí está uma verdade inquestionável. O grande problema é que existem vários tipos de obsessão. Milhares, talvez. Mas, para fins de concisão, vamos nos concentrar em apenas dois. Por exemplo, há artistas que descobrem “seu propósito” na vida desde jovem e continuam nele mesmo que Chernobyl exploda no quarto ao lado. Vamos chamá-los de obsessivos empreendedores (OE). Seu foco é em atingir uma meta. Mas também há aqueles obcecados em procurar o propósito. Os eternamente insatisfeitos, viciados em recomeços, buscadores compulsivos. Eles constantemente se perguntam: “será que é isso que eu quero mesmo?” Esses seriam os obsessivos recursivos (OR), porque vivem se resetando e se reinstalando. Em apenas cinco minutos na Internet, você encontrará defensores e críticos de cada estilo de obsessão. E dos jeitos mais diversos. De coachs a teóricos acadêmicos. Gente como Ryan Holiday, Gary Vaynerchuk, Steve Jobs, tech bros e empresários tendem a influenciar artistas / criadores mais focados em estabelecer uma carreira na confusão do mundo digital. Recursivos preferem escritores Românticos, defensores do sabor agridoce…

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Não mexa com os meus antepassados

Adoro sites sobre tecnologia. Fazem tudo parecer tão interessante e eficiente. Por exemplo, o artigo da MIT Technology Review falando sobre empresas que usam inteligência artificial para recriar a voz e os trejeitos de pessoas falecidas. Quer dizer, não de qualquer falecido, mas dos nossos parentes (o que deve estar causando alguma polêmica na Seicho-no-Ie e em tradições que lidam com antepassados). Enfim, como sou muito influenciável, tentei recriar minha avó, num experimento totalmente falso, mas verdadeiro — num certo sentido. Minha conclusão? Ainda confio mais em sessão espírita. Segue a conversa. — Oi, Vó. Tão bom poder falar contigo de novo. — Eu estava perdendo você. — Como? — Sentindo falta de vê-lo. — Ah, entendi. Você confundiu a tradução do inglês, “miss you”, certo? — Desculpe-me por isso. — Tudo bem, você costumava se perder no espanhol mesmo. E já estou feliz só de ouvir sua voz, filtrada pelo Autotune. — Obrigado, Eduardo. — Você está brava comigo? — Por que estaria, Eduardo? — Porque você só me chamava de Eduardo quando estava nervosa. — Desculpe-me por isso.

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California Blues

Em fevereiro de 2023, eu inventei de mudar para a Califórnia, nos EUA. Praticamente sem dinheiro. O plano era passar alguns meses no Padmasambhava Peace Institute, em Cazadero, perto do Oceano Pacífico. Estou gravando uns vídeos com meu iPhone 8 (de botão) para você acompanhar a aventura. Você encontra a playlist aqui.

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Internet não é rede, é floresta

Alô. Ainda se lembra de mim? Prazer, sou Eduardo. Fiquei duas semanas sem publicar por motivo de fogo-no-rabo: acabei de me mudar para a Califórnia, EUA. Pelo menos até julho, estou numa cidade minúscula chamada Cazadero (foto acima), no meio das montanhas do condado de Sonoma, perto de San Francisco. É uma coisa meio Twin Peaks, mas (aparentemente) sem tanta gente estressada. E foi o próprio processo de mudança que me trouxe o assunto de hoje. Vamos lá. Nos aeroportos de países como EUA e Inglaterra, quase sempre os agentes de imigração são estrangeiros ou claramente descendentes de. É uma cena meio surreal: um imigrante tentando impedir que outra pessoa se torne imigrante. Quer dizer, que faça o mesmo que ele (ou sua família) fizeram no passado. O imigrante é uma figura central para qualquer império, em dois sentidos: Quando se torna cidadão, serve como um validador, alguém que “venceu” (pelo menos a burocracia). Porém, sempre será uma espécie de outro, carregará a lembrança constante — e o medo — da diversidade. Um brasileiro descendente de asiático sempre será chamado…

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Eram os deuses Vlogers?

Casey Neistat, que revolucionou o VLog, incorporando técnicas cinematográficas ao gênero. Por estranho que pareça, até semana passada, eu meio que consegui ignorar um dos fenômenos mais populares da Internet, os VLogs. Obviamente, assisti a alguns ao longo dos anos. Mas não conhecia profundamente seus expoentes mais importantes, como Casey Neistat ou até Andrew Callaghan. Esse é o problema do viés pré-hipster anos 90: valorizar demais o que é obscuro e desqualificar de antemão o que faz sucesso. Neistat (e seu irmão, Van) revolucionaram os VLogs, usando técnicas cinematográficas e narrativas elaboradas. Callaghan vale um texto a parte: viajando pelas maiores bocadas dos EUA, trouxe um sabor de gonzo jornalismo ao seu trabalho, mostrando gente tão cotidiana que parece viver em outro planeta. Mesmo que você não tenha assistido aos vídeos desses criadores, é certo que já se deparou com algumas técnicas que eles usaram à exaustão, na década passada. Muitas vazaram para a publicidade e para o jornalismo corporativo. Em especial o estilo de Casey Neistat, que produz um conteúdo mais leve, bem-humorado, urbano, cheio de imagens de drones,…

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Pirataria gourmet? Revolução nas editoras?

Colecionadores hardcore de HQs já conhecem as chamadas “Edições de Artista”. São livros luxuosos e grandes, contendo reproduções de artes originais. Como são produtos caros, voltados para superfãs e desenhistas, apenas personagens e autores famosos são publicados nesse formato. É claro que existe todo um mercado de compra e venda de originais, com preços potencialmente estratosféricos. Assim, estudantes e curiosos acabam se virando com cópias em baixa resolução, que encontram na internet. Esse cenário vem mudando com o advento das tecnologias de upscaling, presentes em aplicativos como o Img.Upscaler. É simples: você sobe uma imagem em baixa resolução e a inteligência artificial lhe devolve uma em alta. A seguir, alguém com experiência em editoração junta todo o material (ou faz uma curadoria específica) e transforma o resultado num livro, impresso sob demanda, com tiragem mínima. Foi mais ou menos o que fez um inscrito do canal Cartoonist Keyfabe: publicou apenas 10 unidades de uma “Edição de Artista” de um personagem obscuro da Marvel, chamado Rom. Sagazmente, o designer enviou uma cópia para os dois cartunistas influencers, Jim Rugg e Ed Piskor (foto acima), conhecidos pelo “fenômeno…

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O sol que nunca se põe

Finalmente consegui assistir a Aftersun, um dos filmes mais elogiados de 2022. Estreando na direção, a escocesa Charlotte Wells causou um fenômeno interessante: uma onda de críticos e influenciadores repensando as memórias de seus pais. No meu caso, a bola desviou e foi parar em minha mãe. Mas, espere aí. Deixe-me tentar organizar esse texto. Aftersun é uma espécie de ensaio sobre a memória. Uma mulher de cerca de 30 anos revisita fragmentos das férias que passou, aos 11, com seu pai depressivo, num hotel meia-boca na Turquia, no começo dos anos 2000. Para ajudar a reconstruir a narrativa desses dias simultaneamente míticos, nostálgicos e traumáticos, ela conta com gravações feitas em câmeras amadoras da época. Vamos começar por aí. É interessante notar como a diretora foi cuidadosa em retratar que, no começo dos anos 2000, as câmeras ainda nos eram estranhas, desconfortáveis… e fascinantes. Pai e filha demonstram tanto repulsa quanto atração a esses objetos que, poucos anos depois, se tornariam onipresentes. Ainda assim, é de se questionar se realmente nos acostumamos a eles. Funciona um pouco como o…

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O médium é a mensagem

A Era das Bolhas. Esse é o nome que Eric Hobsbawm daria ao seu livro sobre os últimos 20 anos. Mencionei que o historiador egípcio faleceu em 2012? E que não chegou a escrever o tal texto? Detalhes. Meu ectoplásmico Hobsbawm ditou algo assim: “Nos anos 2000, ocorreu a mais rápida expansão da produção e consumo de conhecimento já vista nesse planeta. Num certo sentido, isso democratizou a atividade intelectual. Mas, paralelamente, criou um dos maiores distúrbios cognitivos já vistos.” Hobsbawm continua, num tom espectral: “Não me refiro aos problemas de moderação. Nem ao retorno da extrema-direita. Nem à pós-verdade. Ou ao custo ambiental de publicar tanta informação. Não basta pensar na materialidade da internet, no gasto de energia, na destruição do ambiente em busca de minérios para componentes usados em data centers cada vez maiores.” “A parte mais importante dos anos 2000 foi a criação de um vasto suprimento de mão de obra informal, praticamente sem remuneração e direitos trabalhistas, o lumpenproletariado digital. Também conhecido como Criadores.” Hmm. Acho que já ouvi falar deles. “Essa alcunha, ‘criador’, revela a…

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