Site do jornalista e roteirista Eduardo Fernandes

Quem ainda quer escrever na Internet?

Imagem: MidJourney. Escrever para a internet era melhor no começo dos anos 2000, certo? Nah. Eu é que tinha 20 anos naquela época. Esse é mais um exemplo da chamada Lei Lebowitz, “sistematizada” pela comediante norte-americana Fran Lebowitz. Segundo ela, nossas descrições do passado são diretamente influenciadas pela idade. Se, aos 20, fomos energéticos e dinâmicos, tendemos a considerar o ambiente como… energético e dinâmico. Especialmente quando não estamos mais tão empolgados. Ainda assim, a produção de conteúdo online era mesmo diferente há 15 anos. Ou até há 5. Na verdade, já deve ter mudado mais um pouco, desde que você começou a ler este texto. O problema é que as mudanças não são tão diversificadas quanto parecem. Elas orbitam em torno de um só buraco negro, o do capitalismo. Que, você sabe, não é só um sistema econômico. É uma construção civilizatória, com valores, expectativas, esperanças e medos muito particulares. No começo dos anos 2000, a internet foi (um tanto ingenuamente) associada ao ativismo de esquerda. Era a época das raves, da revista Mondo 2000, da realidade virtual, de Hakim Bey, da Operação…

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O entretenimento da sobrevivência

Inundações em Nova Iorque. Foto: Wikipedia. Qual é a maior notícia sobre tecnologia da semana passada? O lançamento do iPhone 15? Nah. As chuvas em Nova Iorque. É provável que você já tenha visto imagens do dilúvio. Em apenas um dia, uma das maiores e mais tecnológicas cidades do mundo se viu forçada a resgatar seus instintos primitivos. Seus habitantes tiveram que juntar lixo nas ruas, enfrentar correntezas, empurrar carros, etc. Foi o anti-dia-de-princesa, por assim dizer. Em situações como essas, as tecnologias contemporâneas deixam de ser conveniência para virar obstáculo. A fragilidade dos gadgets e dos sistemas “automatizados” fica evidente. Ao mesmo tempo, percebemos que ainda somos bons de improviso, em nos ajudar mutuamente, em sambar na lama de sapato branco. Mas isso eu já disse num texto sobre as chuvas do festival Burning Man. O que eu queria dizer aqui é o seguinte: 2023 está mudando nossa visão sobre tecnologia. Até agora, a ênfase estava na comunicação e no entretenimento. IA, redes sociais, fake news, o último super aplicativo. Mas, hoje, a prioridade vai para a engenharia. Como fazer…

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Nova série para o Braincast: Futurabilidade

Mais uma série de roteiros para podcasts desenvolvida para a B9 / Braincast, a pedido da Pearson Education. Desta vez, falando sobre mercado de trabalho e educação. Ouça no site do Braincast. Ouça no site do Braincast. Ouça no site do Braincast.

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Passando um perrengue juntos

Você acompanhou o perrengue da última edição do festival Burning Man? Depois de uma mega tempestade, 80 mil pessoas ficaram presas no meio da lama, no deserto de Nevada, EUA. Aos poucos, o local vem sendo evacuado por uma única estrada. As imagens da enorme fila de carros são impressionantes. Inicialmente, meu instinto de jornalista / moralista foi o de classificar essa situação como “perrengue chique”. Afinal, o Burning Man não é mais um festival de contra-cultura artesanal e hippie. Está mais pra evento cultural e fenômeno arquitetônico. Atrações cheias de luzes, tecnologia pra bilionários em férias e techbros fazendo networking. Eu ia comparar o Burning Man 2023 com o ciclone que passa agora mesmo pelo sul do Brasil, o “perrengue true”. Cidades inundadas, gente perdendo tudo, sem casa pra voltar depois das dificuldades. Mas estou fazendo um esforço enorme pra não deixar minha mente seguir essas lógicas negativas e populistas. O que eu queria dizer é o seguinte: obviamente, os perrengues não são iguais. Mas, seja lá qual for sua intensidade e contexto, eles provocam alguns comportamentos que são culturalmente muito…

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Todo mundo é cosplay

Crescemos e morremos imitando. Primeiro os pais, depois outros seres vivos, os mortos, os seres imaginários e as regras. Mas há quem transforme imitação em arte, profissão ou até jornada pessoal. É o caso de Akio Sakurai, músico japonês que decidiu “se tornar” Jimmy Page, o guitarrista do Led Zeppelin. Sakurai não fez como boa parte dos japoneses, que se apropriam da cultura estrangeira e a transformam em outra coisa. Ele buscava a total fidelidade e acuracidade. E assim seguiu, por 30 anos. Até que desce do avião em Los Angeles. Não em Londres. É que, por mais que o Led Zeppelin fosse da Inglaterra, o mundo incorporou o encosto do rock conforme conjurado pela indústria do entretenimento dos EUA. Em solo norte-americano, recebe o reconhecimento do próprio Jimmy Page. Então, Sakurai começa a descobrir em quais encruzilhadas da vida “decidiu” importar a personalidade de uma só pessoa, em vez de tropeçar por aí, tentando descobrir a sua própria. Essa é, mais ou menos, a história do documentário Mr. Jimmy, que deve estrear em alguns países em 01/07. Não no…

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WordPress quer cuidar do seu sarcófago

O criador do WordPress, e CEO da Automattic, Matt Mullenweg. A Automattic, dona do WordPress, quer cobrar US$ 38 mil (cerca de R$ 185 mil) pra hospedar o conteúdo de seus usuários por 100 anos. Parece brincadeira, mas é sério. Veja o vídeo promocional abaixo. Pense na quantidade de formatos de arquivos e hardwares que ficaram obsoletos só nos últimos 5 anos. Ou em como as catástrofes naturais são cada vez mais frequentes – 20 minutos de tornado e adeus data center. Ou nos vazamentos de dados, ataques de hackers, guerras, etc. Hoje em dia, está difícil até pra conseguir componentes de computadores, como as GPUs. Pelo jeito, a Automattic anda com a autoestima (e o planejamento) em dia. 100 anos de garantia é um compromisso e tanto. Essa é a confiança de quem mantém o sistema de publicação que está por trás de quase metade da Internet. Enquanto isso, o modesto Internet Archive continua firme e forte, desviando de disputas de direitos autorais. O site já me salvou inúmeras vezes, quando não consegui achar rastros de algum material engolido pelas constantes trocas de tecnologias.

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Nunca mais verei esse filme

Às vezes, parece que somos perseguidos por um filme, música ou livro. Aparentemente do nada, aquilo surge nas suas timelines, nas conversas, nos sonhos, nas memórias, no meio de um orgasmo. Quase como se “o universo quisesse” que você desse atenção pra uma determinada obra. Estou passando por isso agora mesmo. Sou impiedosamente perseguido por um filme que assisti em 1999. Na época, jurei nunca mais revê-lo. Nem com reza brava. Nem pra salvar o planeta de uma invasão da IA. E não por detestar o filme. Pelo contrário: é um dos meus favoritos. Quando o vi, chorei do começo ao fim. Até os créditos subindo na tela me causavam palpitações. Ao terminar, precisei ir ao pronto socorro, desidratado. Veja bem, como bom vulcano, tenho um coração de pedra. Sério. Não entendo emoções. Não choro nem em enterro. Minhas expressões faciais são mais restritas do que a desse pessoal que exagera no Botox. Mas esse filme… esse me causou um dilúvio ocular. Eu poderia instalar uma hidrelétrica nas pálpebras. Não estou exagerando. O filme junta alguns dos meus pontos fracos…

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Sofrimentos classificatórios

O cronista Otto Lara Resende, procurando o atestado de óbito d’A Crônica. Como a indústria do entretenimento é previsível. Cedo ou tarde, usa o crime pra capturar a atenção do consumidor. Um alien desavisado no planeta imaginaria que somos uma espécie de chupacabras anfetamínicos. Precisamos matar qualquer coisa pra seguir existindo, cozinhando moquecas, levando as crianças na escola, etc. Dessa vez, a vítima foi A Crônica. Ouvi dizer que o assassino foi o escritor Julian Fuks. Quer dizer, pelo menos, ele identificou o corpo. O tal gênero literário estaria definhando em público, como um rock star fora do controle. Mas, assim que Fuks divulgou o crime, várias pessoas escritoras se apressaram a desmenti-lo. Como diria o (comprovadamente defunto) Nelson Rodrigues, A Crônica é um cadáver salubérrimo. Mas o FBI ainda trabalha no caso. E por que estou falando sobre esse assunto mórbido? Porque queria chamar atenção pra um fenômeno mais sutil, o do Sofrimento Classificatório. Ele surge quando definimos algo de forma restrita. Depois, choramos no canto. E, claro, Fuks gives a fuck. Ele lamenta o falecimento da Falecida: “Devota…

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WTF, YouTube?

É a hora de aplicar a lógica das queimadas controladas à mídia. Já faz alguns dias que notei a estreia de uma nova (e sintomática) função no YouTube: contadores de estatísticas se atualizando em tempo real. Você está lá, assistindo a algum conteúdo que, em si, já é rápido e super-estimulante. E, no canto inferior esquerdo, sua atenção é capturada por uma animação de texto. São as estatísticas de visualização do vídeo, que agora mudam constantemente. Parecem aqueles velhos relógios de medição de consumo de energia. Mais uma micro requisição de atenção, mais multitasking sutil. Depois que você percebe a animação, seu cérebro precisa gastar mais energia pra ignorá-la. Toda vez que o número pula, o movimento insere mais uma tarefa na sua vida. Combine esse detalhe com as outras inúmeras micro atividades que surgem ao usar computadores. Não é de se espantar que, ao final de um dia de trabalho, estejamos esgotados. Algumas tradições de pensamento dizem que o ambiente “externo” reflete o psicológico. Faz sentido. Como explicar que o burn out e os incêndios sejam alguns dos fenômenos mais urgentes da…

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Perdido na cidade

Tenho uns quatro ou cinco pesadelos que se revezam ocasionalmente. Num, estou perdido na cidade. Tento decifrar a malha de transporte público pra voltar pra casa, sem sucesso. Por aí se vê como meus sonhos são obsoletos. Ou melhor, vintage, pra usar uma linguagem mais positiva. Não há Google Maps ou celulares no meu inconsciente. De qualquer forma, acaba que dois quadrinistas argentinos tiveram um sonho semelhante, que se materializou na graphic novel Cidade. O desenhista é Juan Giménez, do clássico A Casta dos Metabarões. Ricardo Barreiro é o roteirista, que já trabalhou com autores como Enrique Breccia. Cidade segue o gênero lostcore, que muita gente conhece do desenho A Caverna do Dragão e do seriado Lost (pra ficar em exemplos populares). Sem muitas explicações, uma pessoa se perde num lugar surreal. E se junta a outras pra buscar uma improvável saída. É o caso do publicitário Jean. Depois de brigar com a namorada, ele caminha pra casa e, de repente, percebe-se numa cidade infinita e desconhecida. Desafios estranhos surgem a cada esquina. Jean encontra Karen, uma ex-trabalhadora do sexo que está presa na cidade há mais de 5…

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